Do Atacama até Al Ula, a nova onda do eterno fascínio pelo deserto

O Vale da Morte no Nevada inspirou muitos filmes de Hollywood

Com o medo do overturismo e o desejo crescente de exclusividade, cresce a vontade de descobrir novos destinos, longe dos lugares tradicionais dos Estados Unidos, do Portugal, da Itália ou da França, onde tantos viajantes gostam de  ser vistos. A post pandemia tem novas regras do jogo, o medo das multidões  afugenta os turistas, procura-se pureza e autenticidade, cresce a exigência de viagens transformadores, e a Instagram permite de intercambiar com o mundo nos lugares mais isolados. A natureza preservada é uma das grandes temáticas que completa este novo quadro, seja nos safaris africanos, nas montanhas do sub-continente indiano, nas geleiras dos dois polos, nas florestas e nos rios da Amazônia, e, mais ainda, nos desertos dos cinco continentes.

Os barrancos do Wadi Rum no filme Lawrence da Arabia

O deserto têm um apelo especial que sempre fascinou os viajantes e antes deles os profetas e os exploradores. Foi no seu silencio e na sua imensidões que nasceram ou cresceram as religiões monoteístas, e que Abraão, Moises, Joao Batista, Jesus Cristo e Maomé acharam suas inspirações. Frente a sua beleza depurada e atemporal, esta dimensão spiritual ou até mística continua sendo uma das razões do seu atrativo. O cinema contribui a combinar deserto com sonho e aventura, de Lawrence da Arábia até Mad Max ou de Sergio Leone até Indiana Jones, cada um ajudando a promover a notoriedade de destinos nos cinco continentes, o Sahara, o Nefud, o Wadi Rum, a Norob National Park, o deserto de Tabernas ou o Vale da Morte.

O Rallye Aicha des Gazelles tenta combinar esporte, ecologia, feminismo e luxo

Os desertos estão se destacando como novos destinos turísticos, juntando aventura, cultura, luxo e sobriedade, apostando na beleza e na sustentabilidade. Mesmo se são por natureza imunes aos estragos do overturismo, a fragilidade dos seus ecosistemas deve porem levar a muita cautela. Os excessos passados do Paris Dakar ou os exageros do Burning Man Festival tiveram que se adaptar as novas exigências dos moradores e dos viajantes, e o Rallye Aicha des Gazelles do Marrocos foi a primeira corrida do gênero a obter o Iso 14001 da sustentabilidade. As preocupações sobre o uso dos Quads e dos Quatro rodas levaram as operadoras locais a restringir, regular ou pelo menos compensar os seus impactos sobre o meio ambiente.

Em Djanet, pedras esculpidas pelo vento chamam as oferendas do viajante

O sucesso dos desertos chegou também porque as ofertas das operadoras estão cada vez mais diversificadas. Aos tradicionais cartões postais – já muito conhecidos pelos turistas- de Zagora no Marrocos, de Ghardaia ou Djanet na Algeria, de Tozeur na Tunisia, do Atacama no Chile ou de Petra na Jordania, elas acrescentaram lugares mais exclusivos, as Wahiba sands do Omã, a costa do Namib na Namibia, o Salar de Uyuni na Bolivia, o Lago Assal na Etiópia, o Gobi na Mongólia e as dunas de Thar na India. E a Arábia Saudita, investindo de forma espetacular nas riquezas arqueológicas e nas infraestruturas turísticas da região de Al Ula, está agora inaugurando o mais luxuoso dos destinos de desertos do mundo.

En Al Ula, o luxo, a cultura e a exclusividade do deserto

Se conseguir combinar abertura ao turismo e preservação dos seus ecosistemas naturais e humanos, os desertos (e todas as áreas de natureza preservada do Brasil e do mundo) devem continuam a crescer como destinos turísticos modelos, exclusivos pela raridade das infraestruturas, pelas dificuldades de acesso, pelos espaços de vida limitados, e pelos preços elevados que operadores e moradores devem cobrar para viabilizar essas experiências únicas e frágeis.

Jean Philippe Pérol

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Esse artigo foi inspirado de um artigo original de publicado na revista profissional Tourmag

Recorde de receitas turísticas preocupa a Espanha

O turismo espanhol deve ter em 2024 o melhor ano da sua história

As receitas turísticas da Espanha deveriam esse ano quebrar todos os recordes anteriores e chegar a € 202.651 bilhões, passando os 90 milhões de entradas de turistas (e chegando talvez ao primeiro lugar do turismo mundial em número de entradas contabilizadas). Com uma alta de 8,6% em relação ao ano 2023, que já tinha sido excepcional, o turismo representará 13,3% do Produto Interno Bruto do país. Anunciando a semana passada em Madri essas projeções históricas, José Luis Zoreda, vice-presidente da Exceltur (Alianza para la Excelencia Turística), associação das maiores empresas espanholas fundada em 2002 para ajudar ao desenvolvimento do setor, mostrava paradoxalmente pouca satisfação e muita preocupação.

Os novos trens da RENFE ajudaram no sucesso de 2023

Para Exceltur, esses números impressionantes são os resultados de vários fatores favoráveis. O primeiro é a situação política e a estabilidade da Espanha na hora de muitas perturbações nos grandes destinos concurrentes do Mar Mediterrâneo oriental, Turquia, Israel ou Egito.  O segundo é a retomada do turismo internacional não somente nos grandes mercados de proximidade – principalmente Reino Unido, Alemanha e França -, mas também nos mercados asiáticos. O terceiro fator favorável, em tempos de dificuldades de oferta de transportes, foi que a Espanha aproveitou bastante o crescimento das ligações aéreas bem como a chegada de novos operadores ferroviários.

Para afastar os turistas, Barcelona tirou um ónibus da Google map

José Luis Zoreda insistiu, porém, nas preocupações do setor frente às reações ao overturismo que vão crescendo no país inteiro, das Ilhas Baleares a Andaluzia, das Canárias a Barcelona e a vários lugares da Catalunha. Alugueis inflacionados, transportes urbanos saturados, falta de água em tempo de seca, alta dos preços dos produtos alimentares, muitos problemas da vida cotidiana são agora ligados nas mídias à “invasão” de turistas estrangeiros, às vezes  percebidos como invasores pelos moradores que esquecem em paralelo os benefícios trazidos em termos de empregos ou de infraestruturas públicas.

Exceltur quer ver a Espanha sair do turismo “sol y playa”

Frenteà rejeição dos turistas em varias regiões da Espanha, os profissionais  querem que o turismo continue de crescer além dos recordes de 2024, mas são extremamente conscientes que esse crescimento só será possível se for sustentável e assumido pelos moradores. Há anos, a Exceltur já tinha chamado a atenção das autoridades sobre a necessidade de sair do tradicional turismo de «sol y playa» e de espalhar mais os visitantes, seja em novos destinos do interior ainda pouco aproveitados, seja em épocas de baixa temporada. Para a associação, a Espanha deve agora ir mais longe e só aceitar um crescimento do turismo respeitoso dos lugares e trazendo benefícios claros para os moradores.

Jean-Philippe Pérol

Boicotar ou não boicotar os turistas russos?

Na França, Courchevel era um dos destinos favoritos dos Russos

No complicado contexto da invasão na Ucrânia,  a Rússia anunciou que o seu turismo emissivo atingiu em 2023 24 milhões de viagens internacionais, um crescimento de 16,4% em relação a 2022, mas um resultado ainda longe dos quase 48 milhões que saíram do país em 2019, antes do Covid-19 e dos boicotes impostos depois do início da guerra. Nessa época, o turismo russo representava 3% do turismo mundial. Os destinos vizinhos – Turquia, Finlândia, Cazaquistão, Ucrânia e Estônia- lideravam as preferencias dos russos, mas países ocidentais como França, Itália, Espanha e Suiça brigavam para atrair estes clientes prontos a gastar fortunas nos palácios das capitais ou nos resorts luxuosos de Courchevel, Ibiza, Saint Tropez, Marbella, Gstaadt ou Veneza.

A Riviera turca atraindo cada vez mais os turistas russos

Tudo mudou no dia 24 de fevereiro de 2022. A guerra levou quase todos os países da Europa e da América do Norte a um boicote quase total dos intercâmbios de transporte e de turismo com a Federação Russa. Essa decisão não somente atrasou a recuperação das viagens internacionais mas ainda modificou bastante os destinos desses polêmicos turistas, com um novo ranking mostrando claramente os ganhadores. São a Turquia, com 6,3 milhões de visitantes e um crescimento de +20,7% em relação a 2022, os Emirados Árabes com 1,7 milhão e +42,5%, a Tailândia com 1,48 milhão e +240,6%, o Egito com 1,28 milhão e +35,4%, a China com quase um milhão e + 420%, as Maldivas com 209.1oo e +3.6%, o Sri Lanka com 197.000 e +116,4%, Cuba com 185.000 e +240%, e a Indonésia com 160.000 e +115%. Com 106.000 chegadas, o Brasil recebe hoje 5 vezes mais russos que antes da crise.

Dubai tentando atrair turismo e negócios russos

Aproveitando este sucesso, vários destes destinos já anunciaram que querem se abrir ainda mais ao turismo russo. O Ministro do Turismo do Egito projeta 3 milhões de viajantes russos em 2028, a autoridade de turismo da Tailândia já anunciou uma meta de mais de 2 milhões de entradas logo em 2024, o governo de Cuba assinou um acordou para receber em média 500.000 turistas russos por ano, e a Turquia prevê um crescimento de 10 a 30% em 2024. Dubai oferece vantagens para as viagens de negócios combinando com luxo e segurança, a Tunísia liberou os vistos, e vários países como a Índia, Birmania, Omã, Sri Lanka, Irã e Marrocos estão conversando com o governo russo.

O turismo em Chipre sofreu com o fim dos passaportes dourados

Com motivos políticos ou éticos, o boicote teve consequências importantes para o turismo dos destinos que tinham mais investido no mercado russo. Assim nos Estados Unidos que passaram de 300.000 turistas russos em 2017 a menos de 50.000 em 2022, e em quase todos os países da União Europeia que perderam quase 85% desses fluxos, com um impacto forte nas receitas considerando a forte proporção do segmento luxo e o alto gasto médio por dia. Na Europa, Chipre foi um dos destinos mais impactados, com seu turismo dependendo mais de 30% dos russos, e o setor imobiliário tendo beneficiado dos “passaportes dourados” vendidos por Euros 2,5 milhões a ricos investidores.

Influenciadora russa teve que pedir perdão à arvore sagrada de Bali

Não se pode analisar o impacto destas brutais mudanças dos fluxo turísticos da Rússia sem considerar também o impacto que tiveram para as populações dos destinos e para as outras comunidades. Na hora do overturismo e da crescente preocupação pelo equilibro local, os novos turistas russos tiveram as vezes dificuldades para entender as exigências culturais ou religiosas dos moradores. Em Bali, na Índia ou no Sri Lanka, turistas e locais se desentenderam e as autoridades tiveram que interferir para colocar panos quentes. No Sri Lanka e no Egito, incidentes entre turistas russos e ucranianos tiveram que ser resolvidos. Nos países da Europa, mais implicados no boicote, a situação politica levou a incidentes discriminatórios contra os russos que deixarão marcas no futuro.

A Igreja Russa, um dos pontos esperando a volta dos turistas russos em Nice

O balanço do boicote é hoje difícil de fazer pelas suas múltiplas motivações. Mas, para o setor, ele representa em primeiro lugar um prejuízo importante para o turismo mundial – aproximadamente 20 milhões de viajantes e quase US$ 20 bilhões de receitas a menos, boa parte para os grandes destinos da União Europeia. Mesmo repudiando a guerra e a falta de respeito do direito internacional, os profissionais e os viajantes só podem lamentar que problemas políticos entre governos prejudiquem as atividades de milhares de profissionais que trabalham num setor que se caracteriza justamente por ser uma indústria de paz, de intercâmbio multicultural e de liberdade individual.

Jean Philippe Pérol

Fim da linha para a “Compagnie Internationale des Wagons-lits et du tourisme” …

O Airbus 380 está de volta, até quando?

O Airbus A380, efêmero grande sucesso da Air France

Mesmo se a pandemia quase o tenha matado, e se a Airbus tinha antecipado para 2021 o fim da sua produção, o A380 não quer desaparecer. Com a retomada do setor, os Jumbos do século XXI estão cada dia mais numerosos a percorrer os céus.  Seguindo o exemplo da Emirates, e como únicas exceções a Air France, a China Southern e a Malaysia Airlines, todas as companhias aéreas que tinham adquirido o gigante já o reintegraram parcialmente ou totalmente na sua frota.  É o caso da All Nippon Airways, da Asiana Airlines, da British Airways,  da Korean Air, da Qantas, da Qatar Airways, e recentemente da Etihad.

A Emirates foi pioneira na volta do A380

Singapore, primeira companhia a explorar o A380, tem agora 12 deles voando nas suas rotas asiáticas bem como para Austrália, todos eles com somente 471 passageiros numa configuração luxuosa. A Lufthansa, que planejava se livrar dos 14 aparelhos sua frota, está reativando-o numa versão para 509 passageiros nos voos de Munique para Nova Iorque, Boston, Los Angeles e Banquecoque, lançando uma forte campanha de comunicação que aproveite a incrível empatia do público para este avião tão peculiar. E a própria Emirates, a maior compradora,  já reativou 100 dos seus 123 aviões, todos para 517 assentos dos quais 14 são destinados às prestigiosas suites de primeira classe.

A saturação dos aeroportos favoreceu a volta do A380

Em qualquer uma destas bandeiras, e em todas as rotas onde estão operando, estes aviões são lotados. Acumulando taxas de ocupações de 85 à 90% de ocupação e tarifas aéreas 23% mais caras esse ano – essa carestia deve se manter até 2024 ou mesmo 2025 devido aos atrasos nas entregas de centenas de aviões da nova geração pela Boeing e a Airbus-, os A380 contribuem a melhorar os resultados das companhias aéreas. Para alguns especialistas, poderão inclusive ajudar a trazer de volta os lucros logo em 2023, um ano mais cedo que as previsões iniciais.

Favorito dos viajantes, o A380 não deve ter sucessor

Para muitas companhias, este volta do A380 vai ser duradoura. Emirates, que foi em 2019 a única empresa do setor a pedir uma nova versão do aparelho, está agora repetindo o seu pedido, argumentando que este avião seria uma solução para o congestionamento dos aeroportos consecutivo a retomada, e que deve se acelerar a partir de 2024. Insensível a estes argumentos, a Airbus não tem nenhum previsão sobre um novo super jumbo, e seu diretor comercial acha que as novas tecnologias e a exigência de sustentabilidade vão favorecer os aviões de pequeno porte. Nos próximos anos, é mais que provável que o transporte aéreo continuará com um grande paradoxo: o avião favorito dos viajantes do mundo inteiro continuará a voar, mas será condenado a não ter sucessor. Depois do Concorde, as mesmas esperanças, o mesmo embalo, o mesmo sucesso e o mesmo fracasso?

 

Jean-Philippe Pérol 

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A America Latina aderindo ao slow turismo?

As ruas coloridas de Pijao

Agora com 287 associados, a rede internacional Cittaslow continua crescendo, mas com cautela. Frente ao risco sempre presente do overturismo, a preocupação é de respeitar a promessa de lentidão e de tranquilidade, e de seguir a risca  os 70 critérios da sua carta-compromisso referente ao meio ambiente, as tradições locais, ao desenvolvimento regional, a mobilidade urbana, a hospitalidade e ao bem estar tanto dos moradores quanto dos visitantes. Nascida na Itália, popular há anos na Polônia, na Alemanha e em toda Europa, Cittaslow se espalhou em novos destinos, na Turquia, em Chipre, e na Ásia em Taiwan e na Coreia do Sul.

O intercâmbio com os moradores é um dos charmes da cidade

O turismo tranquilo tem, porém, mais dificuldades para conquistar a América Latina.  Poucos viajantes, mesmo amigos da Colombia, conhecem Pijao, um pequeno vilarejo na área cafeteira, 300 quilômetros ao oeste de Bogotá, que foi porém em 2014 o primeiro destino do continente a aderir ao “slow turismo”. Pijao tem que ser percorrido com calma para aproveitar as casas coloridas, visitar suas lojas de antiguidades, caminhar nas trilhas das suas fazendas de café, descobrir  sua floresta de palmeiras de cera gigantes, ou aproveitar as oportunidades de “bird watching”. E acima de tudo falar com os moradores, ter o tempo de escutar histórias.

Na vizinha Salento, um modelo de turismo mais intenso

Esse turismo tranquilo foi a escolha de Pijao quando aderiu a Cittaslow, um caminho diferente de outros vilarejos da região como Salento ou Filandia cujas cores viraram os xodós dos turistas instagramers cada vez mais numerosos nas rotas do café da Colombia. A escolha da autenticidade, da sustentabilidade e dos fluxos controlados reune a maioria dos comerciantes, dos hoteleiros e dos guias de turismo numa associação que monitora o respeito da carta-compromisso. Voluntários ajudam a preservar as tradições locais, a incentivar os circuitos comerciais curtos, a limitar a poluição sonora, e … a convencer os opositores que a liberação de um turismo menos seletivo não traria a longo prazo nenhum benefício para a cidade.

Em Socorro, os incriveis por do sol da Pedra Bela Vista

A cidade paulista de Socorro é segundo socio latino americano da Cittaslow, e o primeiro no Brasil.Para a  Secretária de Turismo da cidade, Tereza Monica Sartori Marcheto, ” a vocação de um turismo sem pressa surgiu devido a característica do município, a importância da natureza, o interesso pela cultura, a vontade de trabalhar a sustentabilidade e a necessidade de valorizar o bem estar da população”. Com experiencias anteriores de certificação – a cidade foi classificada como Safe Travel pela WTTC-, Tereza destaca que, para seguir os compromissos da carta, é necessário continuar a mobilização, mapear os principais pontos da certificação e sensibilizar a comunidade para multiplicar as adesões. Um guia Descubra Socorro vai assim ser divulgado não somente para os profissionais do turismo e os comerciantes, mas também nas escolas e nas comunidades.

Tereza Marcheto acredita que o slow turismo é um diferencial que vale a pena

Ao contrario do que parece, o slow turismo necessita então um importante trabalho de preparação para ser apropriado por todos seus atores. Muito elogiado pelas mídias nacionais e internacionais, ele traga para Socorro e para todos os destinos que fazem com essa escolha importantes diferenciais competitivos. É, porem, uma tarefa árdua, já que, pelo menos na primeira fase, os resultados  demoram para ser percebidos, e que, a medio e longo prazo, o sucesso junto aos profissionais e a população dependerá das receitas turísticas e dos novos empregos que serão gerados pelo esforço de todos. Um desafio para o slow turismo na América Latina, mas também em todos os destinos que se juntaram a essa nova tendência.

Jean Philippe Pérol

 

Óleoturismo: uma nova paixão do turismo de sabores

A degustação de azeites premiados é a grande experiência do óleoturismo

Turismo gastronômico, turismo culinário, enoturismo, rotas do café, do chocolate, da trufa ou do açafrão, a paixão pelos sabores é hoje, junto à cultura e natureza, uma das maiores motivações de viagem, chegando a ser decisiva para 60% dos viajantes. Essa proporção parece ser mais importante junto aos mais jovens – os Millenials -, e a atração pela gastronomia deu um pulo importante durante a pandemia. No Brasil, o portal de receitas da UOL teve um crescimento de 230% da audiência, o programa MasterChef no YouTube ganhou 129 mil inscrições, e a procura por cursos online cresceu mais de 200%, conforme pesquisa realizada  pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

As azeitonas e o azeite são as raízes da cultura da Provence

Na onda da enogastronomia que motiva agora 80% dos turistas, um dos turismos de sabores que mais cresceu foi o óleoturismo, a procura da oliveira e do seu ouro verde, o presente sagrado que, segunda a mitologia grega, a deusa Atena entregou a humanidade. Em todos os países que a geografia ou a cultura ligaram ao Mar Mediterrâneo, as paisagens, as tradições, e, claro, os culinários, são marcados pelas oliveiras, as azeitonas e o azeite. Foi nesses países que nasceu o óleoturismo, com roteiros bem estruturados nas grandes áreas produtoras, como a Messénia na Grécia, o Alentejo no Portugal, os arredores de Sfax na Tunisia, Les Baux de Provence e Maussane-les-Alpilles na França, ou a região de Izmir no oeste da Turquia.

Mar de oliveiras na Andaluzia

É, porém, na Espanha, maior e mais premiado produtor mundial de azeite, e especificamente na Andaluzia, que o óleoturismo é hoje mais desenvolvido, com o assumido apoio tanto dos profissionais do turismo quanto das organizações de produtores. Indo para Jaen, reconhecida capital mundial do azeite, é possível entender a história do “ouro líquido”, atravessando as paisagens do Parque Nacional  das Sierras Subbéticas, percorrendo as terras repletas de oliveiras centenárias, visitando os moinhos de pedra onde são prensadas a frio, logo depois da colheita, as azeitonas tipo picual, picuda ou hojibranca, para produzir uma azeite extra virgem.

A Hacienda Guzman, imprescindível parada de um roteiro andaluz

As visitas incluem degustações das variedades de azeitonas  (260 são cultivadas na Espanha), ajudando a entender as diferencias de cor, de textura, de amargura, de gordura ou de picância entre as variedades utilizadas para os azeites e as variedades de mesa. Em algumas fazendas, bem como em mercados, bar de tapas ou restaurantes, o azeite é o carro chefe da tradição gastronômica mantida desde Al-Andalus. O azeite se orgulha mesmo de ser uma fonte de bem estar, não somente pelas suas reconhecidas virtudes de nutrição e seu papel central na dieta mediterrânea,  mas também como ingrediente chave de produtos de beleza, de tratamentos ou de massagens que utilizam tanto o azeite como o mel da região para dar brilho ao cabelo ou hidratar a pele.

A mesquita catedral, magia andaluz que não pode ser vista em nenhum outro lugar

Alem das suas 65 milhões de oliveiras, as riquezas culturais da Andaluzia, e seus sete monumentos tombados pela UNESCO, são um outro motivo do sucesso do seu óleoturismo.  Nos arredores de Jaen, alem do Centro de interpretação da azeitona e do azeite, os conjuntos arquiteturais de Ubeda e Baeza  são testemunhos da riqueza do Renascimento na Espanha, quando o Arquivo geral da Índias gerenciava o ouro das Américas. Seguindo as rotas da região, o viajante não pode perder as pérolas do patrimônio mundial que são a mesquita catedral de Cordoba, a Giralda de Sevilha, a cidade perdida de Azahara, ou a Alhambra de Granada, tesouros herdados de uma civilização mediterrânea onde o azeite continua de ter um papel essencial.

Em Gramado, os óleoturistas comemoram o dia da Oliveira plantando mudas

Seguindo as rotas das oliveiras, o óleoturismo atravessou o Oceano Atlantico para virar uma temática de viagens na América do Sul. Em Mendoza, na Argentina, no Vale de Colchagua, no Chile, ou em Maldonado no Uruguai, o azeite se juntou ao vinho e ajudou a consolidar um turismo da sabores de fama internacional. No Brasil de Santana do Livramento a Gramado, no Rio Grande do Sul, o óleoturismo aproveita o impressionante crescimento da produção de azeite, 122% em 2022. Nessas regiões, o sucesso das visitas guiadas, das degustações ou dos cursos, mostram que este turismo de sabores é mesmo uma des grandes tendências das viagens da retomada.

 

Jean-Philippe Pérol

As oliveiras centenárias das fincas da Oro Bailen

 

 

 

A Air France voltando a ligar as Amazônias brasileira e francesa

Depois de 37 anos, Belém voltando nas rotas da Air France

Reforçando a sua malha regional no Caribe, a Air France vai reabrir a partir de 5 de maio de 2023 um voo direto entre Belém e Caiena (Guiana Francesa), atualmente abandonado pela Azul. O voo será semanal, operado com um Airbus A320 equipado com Wi-Fi. Ele seguirá sem precisar de conexão  para Fort-de-France (Martinica), e depois para Pointe-à-Pitre (Guadalupe), reconectando diretamente o Caribe francês com o Brasil.  Os horários foram também escolhidos para oferecer aos viajantes da região norte mais uma possibilidade de viajar para França, com uma conexão para Paris-Orly.

Air France voltando para a Amazônia

Muito sazonal, devido ao fraco intercâmbio econômico e turístico, essa rota sempre foi difícil e, em trinta anos, oito companhias se sucederam entre os aeroportos de Val-de-Cans (Belem)  e de Felix Eboué (Caiena). Os mais velhos se lembram da Cruzeiro do Sul, da TABA, da VARIG, da Penta, da TAF, da Suriname Airways e da Air Caraïbes, além, claro, da própria Air France que já explorou esse voo de 1984 a 1986. E para quem viveu a febre de desenvolvimento da Amazônia nos anos 1970, essa volta da Air France não pode deixar de relembrar a emocionante abertura do voo Manaus Caiena Paris, um inesquecível pouso de um B747 o dia 31 de março  de1977 (era programado para ser dia 1 de abril, mas as autoridades aeronáuticas da época pediram adiantar de um dia para coincidir com o aniversário dos eventos de 1964).

A ponte unindo as duas margens do Rio Oiapoque

Se a história mostra que a ligação aérea entre as duas margens do Oiapoque foi sempre muito aleatória, existem pelo menos três razões de pensar que a Air France pode agora sem bem sucedida: a primeira é que a nova conjuntura política facilitou a volta do Brasil nas agendas dos principais líderes políticos, e as grandes mídias francesas, europeias e norte americanas estão apoiando novas iniciativas de intercâmbio. Essa tendencia se traduz também a níveis regionais, com os países das Guianas e do Caribe muito interessados em multiplicar as relações culturais e econômicas. Do lado francês, a Martinica, a Guadalupe e a própria Guiana já mostraram ser surpreendentes mercados emissores para o Brasil, além de parceiros interessados pela cooperação regional.

O voo deve relançar a cooperação inter-regional, Guiana no Amapá, ou Martinica no Pará

Mas as maiores perspectivas são mesmo amazônicas. A Guiana francesa é também a Amazônia francesa, cobrindo menos de 2% da imensa bacia do Rio Mar, 30 vezes menos que o lado brasileiro, mas o suficiente para ser parte do pequeno e exclusivo grupo de 9 países que devem definir o futuro dessa região tão cobiçada pelas outras grandes potências. Concentrando as atenções pelo impacto do seu necessário desenvolvimento sobre o aquecimento global, a Amazônia vai, sem dúvida, ver nos próximos anos uma aceleração dos investimentos internacionais, dos intercâmbios culturais e das chegadas de turistas. Para Air France, umas oportunidades  para continuar a acompanhar e até a escrever paginas da História desta fascinante Amazônia onde a França tem sua mais extensa fronteira internacional.

 

Jean-Philippe Pérol

 

Horarios dos voos da Air france (até o dia 31 de Outubro):

AF603:  saída de Belém nos sábados as 09:35, chegando em  Caiena aa 11:10

AF602: saída de Caiena nas sexta-feiras as 15:40, chegando em Belém as 17:15

A polémica isenção de vistos é mesmo o x do problema?

Na guerra dos vistos, ninguém deve sair ganhando

Já discutida quando concedida unilateralmente pelo governo Bolsonaro, a isenção de visto a turistas dos Estados Unidos, do Canadá, da Austrália e do Japão abriu uma nova polémica agora que o governo Lula anunciou sua revocação a partir de 1º de outubro. Segundo o Itamaraty, a intenção era de ampliar a medida na base da reciprocidade, mas devido a recusa das autoridades americanas, canadenses, japonesas e australianas de oferecer o mesmo benefício a cidadãos brasileiros, o Brasil não teve outra escolha que de voltar a exigir o visto.

A ambição de 12 milhões de entradas não sobreviveu a crise

Além desse principio diplomático de respeito e igualdade, o governo levantou um outro ponto, a dificuldade de mostrar que a medida tinha trazida um qualquer aumento de turistas oriundo desses países. Em março 2019, quando foi anunciada, o então ministro do turismo projetava um aumento de 35% das entradas de turistas em 2020, e a intenção era de chegar a 12 milhões de turistas por ano em 2022. Com a chegada da pandemia, a queda de 88% em dois anos das chegadas internacionais, e mesmo com os 3,65 milhões da boa surpresa de 2022,  foi impossível de verificar se as ambições do ministro eram realistas.

Na hora de apoiar a retomada, a medida chocou as entidades do trade

Tomada num momento onde o turismo começa a sair de uma crise que abalou, e as vezes matou, muitas empresas do setor, a decisão do Itamaraty, está revoltando todos os profissionais, juntando todas as lideranças de classe, transportadores, hoteleiros,  organizadores de eventos, comerciantes, o lazer e o corporativo, o setor privado e muitos órgãos públicos – inclusive a própria Embratur, num tentativa de reverter essa medida, e de retomar  os objetivos de crescimento do turismo receptivo brasileiro que tanto sofreu nos últimos dois anos.

Respeito mútuo e reciprocidade foram os pontos levantados pelo Itamaraty

Se o argumento da reciprocidade é politico, o turismo deve também analizar as observações feitas pelo governo sobre o impacto dos vistos sobre as entradas provenientes de quatro países que representam um pouco menos de 10% dos estrangeiros visitando o Brasil. E deve ajudar a définir se os vistos são realmente hoje o primeiro obstáculo ao desenvolvimento do turismo internacional no Brasil.
Sobre o impacto dos vistos, a pandemia impediu um comparativo. As experiencias anteriores  mostraram que o impacto existe, mas que ele não chega a atingir os valores ufanistas anunciadas quando foram cancelados as exigências em 2019. Para países distantes, foram observadas quedas de 3 à 5 % para França nos anos 90. Quedas muito maiores – como acontece agora entre o Brasil e os Estados Unidos- são muito mais decorrentes das dificuldades ou dos prazos de obtenção do que do proprio visto. Assim um visto eletrônico ou um visto obtido na chegada seriam talvez ideias a trabalhar para respeitar tanto as exigências de reciprocidade da politica que as reivindicações de liberdade dos turistas.

A Embratur tem um momento muito favorável pela frente

Os esforços para conseguir cancelar ou pelo menos aliviar a exigência de reciprocidade devem porém não esconder que os grandes obstáculos ao crescimento do turismo internacional no Brasil não são os vistos exigidos, ou não, dos japoneses, dos canadenses, dos australianos e dos estados-unidenses. A segurança, a qualificação da mao de obra e o respeito pelo meio ambiente são, com certeza, fatores muito mais imprescindíveis para quais devem ser mantida a mobilização da classe. Aproveitando o momento de melhoria da imagem internacional do Brasil, é também importante de apoiar os esforços da Embratur para voltar a comunicar sobre uma realidade do turismo nacional ainda muito pouco e as vezes muito mal conhecida nos grandes mercados emissores.
Jean-Philippe Pérol

Esse artigo foi inicialmente publicado no Blog “Points de vue” do autor na revista profissional on line Mercado e Eventos

Em Djanet, a Argelia quer mostrar que o Saara tambem é cultura

O deserto do Tassili, paisagem de espiritualidade

O deserto, e mais ainda o Saara, é certamente uma das paisagens que mais fascina os viajantes. Conhecido desde a antiguidade pelos romanos, percorrido durante toda a Idade Média pelos exploradores e os missionários árabes e parcialmente integrado ao Reinado Marroquino em 1591, foi somente a partir do final do século XVIII que ele interessou os aventureiros e os científicos europeus. Saindo da Gâmbia, o escocês Mungo Park chegou em 197 até o Rio Niger, mas não conseguiu continuar. Foi o francês René Caillé, vindo da velha colônia de Saint Louis do Senegal, que entrou na cidade mítica e proibida de Tombuctu, para seguir atravessando o Saara até a costa marroquina.

Perto de Marrakech, a mais famosa placa de transito do Saara

René Caillé ficou decepcionado com a sua viagem: não tinha em Tombuctu os telhados de ouro e as ruas de paralelepípedos de pedras preciosas descritos nas legendas, mas a fama de cidade se espalhou pela Europa e o mito perdurou. Hoje o turismo no Sahara tem dois principais pontos de entrada: no Marrocos e na Tunísia. Perto de Marrakech, a cidade de Zagora se orgulha de dar aos turistas um primeiro cheiro de deserto, e quem visitou a famosa oasis se lembra de ter sonhado frente a famosa placa de trânsito: Tombuctu, 52 dias de camelo. No Sul da Tunisia, Tozeur reivindica também a condição de portão de entrada do deserto, um título sem dúvidas justificado pela beleza das suas paisagens, a sua cultura tamazigh, a imensidão salgada do lago Chott el Jerid e a imponência do seu palmeiral.

A reabertura dos voos deve beneficiar turistas e moradores

Dona da maior parte do Saara, abrigando alguns dos mais famosos pontos de interesse da região – de Ghardaia à Tamanrasset ou à Djanet-, a Argélia quer agora aproveitar do crescimento da procura dos viajantes para os grandes desertos. Deu um passo importante no mês retrasado não somente abrindo um voo direto de Paris para Djanet, mas ainda liberando os turistas deste voo da exigência do visto prévio se tiver serviços reservados com agências locais. Ainda longe de competir com seus vizinhos da África do Norte, ainda sem muitas opções de turismo balneário no seus 1200 km de litoral, o ministério argelino quer aproveitar o potencial e da notoriedade do seu imenso deserto.

As pinturas rupestres são uma grande atracão do Tassilí

A nova estratégia da Argélia é de fazer de Djanet, e do Parque Nacional Cultural do Tassili um dos motores da retomada turística do pais. O parque, além da beleza das suas paisagens de pedras e de areias coloridas, das suas oasis de intensa vegetação e da sua rica fauna,  é um verdadeiro museu a céu aberto, com milhares de pinturas e gravuras rupestres. Essas pinturas dão testemunho de 10.000 anos atrás, quando a região ainda tinha uma rica vegetação e os povos caçadores aproveitavam girafas, elefantes, antílopes, leões, búfalos e cavalos  antes das mudanças climáticas que transformaram o Saara no atual deserto.

O chá no deserto é sempre uma grande experiência

Os viajantes são também fascinados pela peculiar cultura dos moradores que pertencem a grande etnia  Tuareg. Na contrapé do islã rigorista, os homens tem a cara coberta com o “cheche”, um turbante de 8 metros de comprimento e as mulheres não têm véus, e andam de roupas coloridas. Falando a sua própria língua, da família do tamazigh, com uma escritura geométrica original ( o Tifinagh), eles guardam fortes tradições culturais nos vários países onde são espalhados. Os visitantes se encantam pela convivialidade do seu culinário, a emoção da sua cerimônia do chá, a força do seu artesanato, ou a surpreendente alegria das suas danças. Na nova corrida ao turismo de deserto onde muitos destinos estão agora competindo – do Marrocos a Arabia Saudita, da Tunisia ao Omã e aos Emirados-, a Argélia pode também chegar a uma posição de destaque.

Jean-Philippe Pérol

Os inseparáveis camelos vêm até cumprimentar os convidados