A história do transporte aéreo, uma guerra com poucos sobreviventes

A fusão com a Varig só atrasou o fim da Cruzeiro

Se o transporte aéreo cresceu de 5% por ano desde a Segunda Guerra Mundial, a história das grandes empresas do setor foi bem mais movimentada. Na América do Sul, olhar 50 anos para trás é sem dúvidas assustador. A VIASA venezuelana desapareceu em 1997, a AVIANCA sobreviveu, mas atravessou dois “Chapter 11” e as falências de várias subsidiárias, a Ecuatorián de Aviación colapsou em 2006, enquanto a Faucett e a Aeroperú desapareceram. No Chile, a LAN Chile se manteve mas a LADECO foi absorvida. A Aerolinas Argentinas também se manteve, protegida pelo seu estatuto público, mas a LAP paraguaia e a PLUNA uruguaia pararam de operar em 1994 para a primeira, em 2012 para a segunda.  O Brasil não escapou destas convulsões, e as 4 grandes companhias aéreas que sobrevoam os céus tupiniquins nos anos 1970 desapareceram, a Cruzeiro em 1993 , a Sadia/Transbrasil em 2001 , a VASP em 2005 e a VARIG em 2006.

A sede da PANAM na Park Avenue foi muito tempo o símbolo da sua potência

Se esse quadro parece desanimador, é importante ressaltar que as mesmas dificuldades foram enfrentadas pela companhias aéreas  históricas dos outros continentes. Assim nos Estados Unidos onde, desde 1960, 65  tiveram que buscar a proteção judicial do “chapter 11”, e 32 delas, incluindo os mais prestigiosos nomes do setor. A PAN AM, a grande pioneira que revolucionou o transporte aéro no final dos anos 1960, abriu a primeira volta ao mundo, iniciou os voos do B747, criou os sistemas de reserva eletrônicos, revolucionou as atividades comerciais. A sua sede arrogante na Park Avenue parecia o símbolo da sua supremacia mundial, até que a liberação do setor e a chegada dos low costs a levassem a sua falência em 1991.

O Concorde unilateral da Braniff voou de Paris para Dallas

A sua concorrente  TWA , com a qual dividia as principais rotas internacionais, seguiu o mesmo caminho. Muito tempo liderado pelo excêntrico Howard Hugues, a companhia era o símbolo de sucesso do seu país. Vítima dos mesmos problemas que a PANAM, desapareceu com as dificuldades  e teve que fusionar com a  American Airlines em 2001. Outra vítima famosa foi a Braniff que, depois de uma trajetória fulminante, marcada pelos seus aviões coloridos e a parceria num Concorde Paris Dallas com a Air France, desapareceu em 1982. A própria American Airlines, assim como as outras duas grandes transportadoras aéreas estadunidenses nascidas nos anos 1920, Delta Airlines  e United Airlines, só sobreviveram depois de ter passadas pela triste mas salvadora experiência do  « Chapter 11 ».

A queda da Swissair chocou o mundo da aviação mundial

Na Europa, a guerra do aero deixou também poucos sobreviventes entre as grandes empresas históricas do setor. A espetacular queda da Swissair em 2002 foi somente um acidente numa longa e saudosa lista onde constam a UTA francesa, a BCAL da Escócia, a Sabena belga, a Olympic grega, e ultimamente a Alitália, a SAS escandinava só escapando pela sorte de conseguir um « Chapter 11 » bem gerenciado. Talvez sem surpresa,  as empresas que se saíram melhor foram justamente as três maiores companhias europeias, enraizadas nas três maiores potências econômicas da região: França, Reino Unido e Alemanha.

A Air France se saiu reforçada, guardando a elegância

Enquanto a ascensão das companhias do Golfo e a força dos seus hubs pareciam  irresistíveis, e que os low costs enxugavam a maior parte das ligações intra-europeias, as três empresas escreverem exemplos de resiliência e de transformações vencedoras. A  Air France,  com o apoio firme dos sucessivos governos franceses, conseguiu não somente se sair das crises, mas ainda ser bem sucedida na complicada fusão com a KLM. A British Airways, perto da falência no início dos anos 2000, teve que reduzir suas ambições e sua rede, mas  sobreviveu brilhantemente. E a Lufthansa não foi poupada pelas crises, mas superou todas as dificuldades e ampliou sua cobertura através de aquisições seletivas. As três ganharam e sobreviverem, mas agora a guerra continua, e o Oriente Médio e a Asia serão talvez os próximos campo de batalha.

Esse artigo foi inspirado em um artigo original da revista profissional on-line francesa Tourmag

 

A Air France voltando a ligar as Amazônias brasileira e francesa

Depois de 37 anos, Belém voltando nas rotas da Air France

Reforçando a sua malha regional no Caribe, a Air France vai reabrir a partir de 5 de maio de 2023 um voo direto entre Belém e Caiena (Guiana Francesa), atualmente abandonado pela Azul. O voo será semanal, operado com um Airbus A320 equipado com Wi-Fi. Ele seguirá sem precisar de conexão  para Fort-de-France (Martinica), e depois para Pointe-à-Pitre (Guadalupe), reconectando diretamente o Caribe francês com o Brasil.  Os horários foram também escolhidos para oferecer aos viajantes da região norte mais uma possibilidade de viajar para França, com uma conexão para Paris-Orly.

Air France voltando para a Amazônia

Muito sazonal, devido ao fraco intercâmbio econômico e turístico, essa rota sempre foi difícil e, em trinta anos, oito companhias se sucederam entre os aeroportos de Val-de-Cans (Belem)  e de Felix Eboué (Caiena). Os mais velhos se lembram da Cruzeiro do Sul, da TABA, da VARIG, da Penta, da TAF, da Suriname Airways e da Air Caraïbes, além, claro, da própria Air France que já explorou esse voo de 1984 a 1986. E para quem viveu a febre de desenvolvimento da Amazônia nos anos 1970, essa volta da Air France não pode deixar de relembrar a emocionante abertura do voo Manaus Caiena Paris, um inesquecível pouso de um B747 o dia 31 de março  de1977 (era programado para ser dia 1 de abril, mas as autoridades aeronáuticas da época pediram adiantar de um dia para coincidir com o aniversário dos eventos de 1964).

A ponte unindo as duas margens do Rio Oiapoque

Se a história mostra que a ligação aérea entre as duas margens do Oiapoque foi sempre muito aleatória, existem pelo menos três razões de pensar que a Air France pode agora sem bem sucedida: a primeira é que a nova conjuntura política facilitou a volta do Brasil nas agendas dos principais líderes políticos, e as grandes mídias francesas, europeias e norte americanas estão apoiando novas iniciativas de intercâmbio. Essa tendencia se traduz também a níveis regionais, com os países das Guianas e do Caribe muito interessados em multiplicar as relações culturais e econômicas. Do lado francês, a Martinica, a Guadalupe e a própria Guiana já mostraram ser surpreendentes mercados emissores para o Brasil, além de parceiros interessados pela cooperação regional.

O voo deve relançar a cooperação inter-regional, Guiana no Amapá, ou Martinica no Pará

Mas as maiores perspectivas são mesmo amazônicas. A Guiana francesa é também a Amazônia francesa, cobrindo menos de 2% da imensa bacia do Rio Mar, 30 vezes menos que o lado brasileiro, mas o suficiente para ser parte do pequeno e exclusivo grupo de 9 países que devem definir o futuro dessa região tão cobiçada pelas outras grandes potências. Concentrando as atenções pelo impacto do seu necessário desenvolvimento sobre o aquecimento global, a Amazônia vai, sem dúvida, ver nos próximos anos uma aceleração dos investimentos internacionais, dos intercâmbios culturais e das chegadas de turistas. Para Air France, umas oportunidades  para continuar a acompanhar e até a escrever paginas da História desta fascinante Amazônia onde a França tem sua mais extensa fronteira internacional.

 

Jean-Philippe Pérol

 

Horarios dos voos da Air france (até o dia 31 de Outubro):

AF603:  saída de Belém nos sábados as 09:35, chegando em  Caiena aa 11:10

AF602: saída de Caiena nas sexta-feiras as 15:40, chegando em Belém as 17:15

A “baguette” entrando no patrimônio mundial, justo homenagem ou clichê redutor?

Macron chamou a baguette de magia e perfeição do quotidiano

Na cidade de Rabat (Marrocos), na sua primeira reunião presencial depois de dois anos de pandemia, o Comitê da UNESCO colocou a icônica “baguette” parisiense na lista do patrimônio culturel imaterial da humanidade.  A decisão homenageou um “savoir faire” dos padeiros franceses, destacando todas as fases da fabricação, desde os quatro ingredientes (farinha, água, sal e levedura), até a fermentação, o preparo e o cozimento varias vezes ao dia em pequenos fornos.  Uma receita de extrema simplicidade com a qual cada artesão padeiro consegue chegar a um produto único, fruto da sua técnica, dos produtos selecionados, bem como da temperatura e da humidade do seu local de trabalho.

A baguette modificou até as prateleiras das padarias 

A UNESCO lembrou o impacto da baguette na vida social. Seis bilhões são fabricadas e compradas cada ano, cem por cada Francês, com práticas de consumo diferentes dos outros pães.  A baguette tem que ser produzida e comprada cada dia, e mesmo duas vezes por dia, para guardar seu frescor. Sendo fina e comprida (uma media de 65 cm de comprimento para um diâmetro de 6 à 7 cm), ela é fácil de transportar (sendo a mão, num saquinho ou numa folha de papel), e tem variedades suficientes para cada parisiense escolher a sua: clássica, tradição, moulée, viennoise, bem passada … Algumas padarias aceitam de vender meia baguette, outras produzem a sua irmã menor (a “ficelle”) ou seu irmão maior (o “batard”).

A padaria do austríaco Zang, um dos possíveis pais da baguette

Na sua decisão, os sábios do Comitê não oficializaram nenhum das lendas urbanas sobre a origem da baguette: pão de forma oval já produzido em Paris no inicio do século XVII, evolução do “Pain Egalité” votado pelos revolucionários de 1793, criação dos padeiros de Napoleão para ser mais fácil a transportar pelos soldados que a tradicional “miche” redonda e mais pesada, lançamento inspirado do austríaco August Zang na abertura da sua padaria parisiense em 1839, ou pedido dos construtores do metrô de Paris que queria um pão que pudesse ser compartilhado sem precisar da faca também usada pelos operários para brigas mortais.

Uma da três padarias de Auzances, vilarejo da família do autor

Qual que seja a sua origem, a baguette virou um ícone de Paris a partir dos anos 20, quando os turistas internacionais – especialmente os ingleses e os estado-unidenses – se apaixonaram por esse pão sofisticado, tão diferente da “miche” pesada e grosseira que se comia no campo.  Foram eles que fizeram da baguette um símbolo da França eterna tão forte (mas tão saudosista) que Edith Piaf, a boina, o camembert e o salsichão. Se a delegação francesa no Marrocos festejou a decisão da UNESCO, os criticas em gastronomia foram mais cautelosos. Muitos acharam que a distinção deveria ter sido mais específica, somente a baguette tradição (com a levedura tradicional), com uma escolha de ingredientes mais rigorosamente codificada, merecendo ser destacada.

Os 76 pães da famosa carta de Poilane

Outros especialistas levantaram que muitos outros pães eram mais significativos da excelência das padarias francesas, tanto pelas suas qualidades gustativas que pelas suas raizes nos “terroirs” de muitas regiões onde 76 tipos de pães contribuam a riqueza cultural local, incorporando novidades trazidas pelo bio e pela procura crescente pela qualidade. Um reconhecimento de todos teria sido importante frente as ameaças que pesam sobre o setor. Nos últimos 50 anos, 20.000 padarias fecharam na França, outras viraram simples distribuidoras de pães industrializados. Na hora do bio, da qualidade e da excelência francesa, a França deve com certeza comemorar a decisão da UNESCO, mas deve também lembrar que a baguette é o fruto de técnicas, de tradições, de ingredientes, e de criatividade da padaria francesa, junto com muitos outros pães para ser comemorados.

Jean-Philippe Pérol

 

As duas memórias de Montmartre

Dominando Paris, o Sacré Coeur de Montmartre

Dia 12 de Outubro, a Câmara Municipal de Paris aprovou um pedido de tombamento da basílica do Sacré Coeur de Montmartre. Aparentemente técnica, com o objetivo de conseguir verbas do governo para as obras de restauração do edifício, a decisão reabriu uma violenta polémica. Deixando do lado a discussão em volta do estilo romano-bizantino escolhido pelo arquiteto Paul Labadie, que venceu a licitação frente a mais de 70 concorrentes, a briga é antes de tudo política, fruto das divisões entre direita conservadora e esquerda revolucionaria que começaram em 1789 e culminaram em 1871 com a repressão sangrante da Commune de Paris.

Salvar Roma e a França, a esperança de Legentil e Fleury

Se foi no século III que o Monte dos Martírios ganhou esse nome com a morte do bispo São Dênis, a história do Sacré Coeur começou en dezembro 1870. Convencido que a derrota dos exércitos franceses frente aos alemães era  a consequência  dos pecados acumulados pelos franceses desde a Revolução, dois católicos sinceros, Alexandre Legentil e Hubert Rohault de Fleury fizeram a promessa de construir em Montmartre uma igreja consagrada ao Coração de Jesus. Financiado por pequenas e grandes contribuições de quase dez milhões de fieis, o santuário traria o perdão divino e acabaria com as desgraças da França.

O Montmartre dos moinhos, com os canhões da Commune

A guerra civil atrasou o projeto, e ampliou os antagonismos. Estes ficaram mais fortes ainda quando o governo conservador escolheu de dar para construção o exato local onde o povo de Paris tinha iniciado o seu levante. Desde então, o Sacré Coeur ficou associado a ordem moral e a repressão social. Durante toda a construção – que demorou 48 anos-, políticos e historiadores se dividirem entre aqueles que apoiavam mais um voto de fé da França “filha primogénita da Igreja” e outros que achavam que a basílica era uma afronta a memória dos 30.000 parisienses massacrados durante a semana sangrenta de maio de 1871, um rastro através os monumentos de Paris, até os últimos fuzilamentos no cemitério do Père Lachaise.

Frente a basílica, a praça Louise Michel

A decisão da Câmara Municipal de Paris reacendeu o debate entre as duas Franças. Mas mesmo com a ferrenha oposição da esquerda e a incerta abstenção dos ecologistas, o Sacré Coeur é agora monumento historico. Para o reitor da basílica, os 11 milhões de visitantes vão poder aproveitar a decisão com varias melhorias, incluindo a abertura de novos acessos para pessoas com deficiência e a renovação do órgão. Outros projetos deveriam também ser anunciados em breve, ajudando Montmartre a ser inscrita no patrimônio mundial da UNESCO. E para reconciliar ambas as partes, a prefeitura lembrou que a área tombada incluiu a praça Louise Michel, homenagem a mais emblemática heroína da Commune de Paris.

Jean-Philippe Pérol

O Sacré Coeur dominando Paris

O Orient-Express, fênix das viagens de luxo

Depois de 140 anos, a saudade do rei dos trens e do trem dos reis ainda fica 

O Orient-Express teria festejado o ano que vem seus 140 anos. Prestigioso trem lançado em 1883 pela  Compagnie internationale des wagons-lits , ele ligava em 4 dias Paris a Istambul com um conforto e um luxo inédito. Mas depois de virar um verdadeiro mito – consagrado em 1934 no grande clássico da Agatha Christie-, o mais famoso trem do mundo sofreu das consequências da segunda guerra, teve suas operações complicadas pela cortina de ferro, e entrou em decadência a partir de 1962. Perdeu seu glamour, acabou com suas ligações diretas para Istambul, fechou suas agências – a Wagons lits só conseguiu resgatar Budapeste e Sofia-, e finalmente encerrou suas atividades em 1977.

O Orient-Express, o renascimento com o Venise Simplon Orient Express

Mas, mesmo sumido, o Orient-Express levantava muitas paixões, muitos projetos e mostrou ser um verdadeiro fênix. Em 1976, a operadora suíça  Interflug lançava o “Nostalgie Istambul Orient Express” que sobreviveu, com muitas dificuldades, até o inicio dos anos 2000.  O americano James Sherwood foi mais bem-sucedido. Renovando 18 antigos vagões da Wagons lits, aproveitando o seu prestigioso hotel Cipriani em Veneza, reabriu em 1982 um “Venise Simplon Orient-Express”, ligando Londres e Paris a Serenissima capital. Explorado hoje pela Belmond (do grupo LVMH), este fiel herdeiro estica varias vezes por ano seu itinerário até Vienna, Budapeste e mesmo Istambul.

Accor quer relançar não somente o trem mas também os hotéis

Proprietario da marca “Orient Express” junto com a SNCF, o francês Accor anunciou que quer ver renascer a lenda do mais prestigioso trem do mundo. Com 17 vagões dos anos vinte reencontrados na Polônia, redesenhados pelo famoso arquiteto Maxime d’Angeac, o grupo prevê a reabertura da linha em 2024.  Vagões-leito, vagões-restaurante e salões serão renovados no estilo “Art deco” original, incluindo painéis do Lalique, mas com toques contemporâneos. Para garantir essa autenticidade nos mínimos detalhes, Accor quer que esse novo Orient Express seja  uma obra de artesãos, apoiados por grandes marcas de luxo, uma vitrina do “savoir faire” e da excelência franceses.

Na Provence, um vinho rosé com sabor de férias e de prazer de viver

Os vinhedos da Montagne Sainte Victoire

Se fez sempre a unanimidade dos apaixonados da arte de viver, a Provence sempre foi um assunto muito polêmico quando se tratava de vinho. Talvez para aperrear a minha mãe – ardente mediterrânea -, o meu pai, quando perguntava para ele se queria um Rosé, gostava de responder “obrigado, preferiria um vinho”. E me explicava, durante as temporadas de verão que a gente passava em Tourettes sur Loup, que o charme do Rosé não era bem as suas uvas Grenache, Cinsault ou Syrah, seu sabor frutada ou seu frescor, mas a felicidade e as lembranças trazidas pela beleza das casas de pedras, a música das cigarras, os cheiros da “garrigue”, as partidas de bocha ou o balanço das oliveiras.

O Castelo de Miraval, do ex casal Brad Pitt e Angelina Jolie

Além de serem um pouco injustas, essas ideias devem hoje ser revistas à luz das novidades que foram acontecendo nos vinhedos e no enoturismo na Provence nesses últimos anos. Uma das mais famosas foi o investimento de Brad Pitt e Angelina Jolie que compraram em 2008 o castelo de Miraval, perto de Brignoles, e produziram o rosé considerado (pelas suas qualidades próprias ou dos seus donos) um dos melhores do mundo. Na mesma região, mas ainda com menos ambições enológicas, George Clooney está tentando adquirir o Canadel, um casarão do século XVIII cercado de uma propriedade de 170 hectares com alguns vinhedos também incluídos na apelação Côtes-de-Provence.

Os vinhedos da Chanel na ilha de Porquerolles

Antes mesmo do glamour desses pesos pesados de Hollywood, a notoriedade dos vinhos da Provence já tinha aproveitado os investimentos de grandes nomes do luxo e da excelência francesa. Procurando potencial vinícola, mas querendo também património cultural e turismo exclusivo, o grupo Bolloré explora duas propriedades perto de Saint Tropez, La Croix et La Bastide Blanche, LVMH comprou o Château du Galoupet, um dos “grands crus classés” da Provence, e o Château d’Esclans, um dos mais procurados rosés do mundo. A Chanel investiu na exclusivíssima ilha de Porquerolles com o Domaine de l’Ile e o Domaine Perzinsky.

O Miraval, segundo Rosé de Provence mais exportado para os Estados Unidos

Com esses apoios, os Rosés de Provence souberam aproveitar novas tendências no consumo do vinho, a alegria, a simplicidade, o prazer imediato, a a convivialidade. Na França o consumo triplicou desde os anos 90, e os Estados Unidos compram quase a metade das 40 milhões de garrafas exportadas anualmente. E no Brasil, se os volumes são pequenos, os rosés são proporcionalmente os vinhos franceses mais procurados. O sucesso internacional do Rosé de Provence é também visível localmente, nas 486 propriedades da região (89% produzindo Rosé) que aderiram ao enoturismo, diversificando suas vendas e suas atividades.

Norte americanos, ingleses ou brasileiros estão presentes nas vinícolas mais emblemáticas. São vistos no Domaine de la Courtade em Porquerolles, no restaurante estrelado do chef Gérard Passédat do Château La Coste,  onde fica também o chef argentino Francis Mallmann. Gostam das várias opções de hospedagens de luxo dedicado aos vinhos da Provence, incluindo as novidades como o Domaine de la Courtade , o Château de Fonscolombe, o Château Saint Roux ou o Palace das  Villas La Coste.  Guardando sua diferença, seu sabor de Mar Mediterrâneo, seu espírito de liberdade e seu prazer de viver, o Rosé de Provence está mesmo virando um vinho de conhecedor internacional.

Jean-Philippe Pérol

As camélias da Chanel virando atração turística na França

Coco Chanel nunca explicou a sua paixão pelas camélias

Se a camélia era a flor preferida de Coco Channel, há anos que sua famosa maison de alta costura não a encontrava mais na França. Perto de Biarritz, cidade pela qual Mademoiselle Chanel se apaixonou em 1915 e que inspirou um dos seus perfumes, a Maison Chanel lançou em 2018 um projeto de “fazenda das camélias”.  Na cidade de Gaujacq, famosa pelo seu castelo do século XVII, uma área de 40 ha virou um verdadeiro laboratório, produzindo milhares de flores sem produtos químicos, no respeito dos ecosistemas e da biodiversidade, e sob a direção do viveirista e pesquisador Jean Thoby.

A Camellia japonica Alba Plena introduzida em Gaujacp

Foi Jean Thoby que convenceu a Chanel de escolher Gaujacq, pequeno vilarejo da 450 habitantes onde ele trabalha há vinte anos num excepcional “Plantarium”de 2000 variedades de camélias, inclusive a variedade branca que Coco Chanel tinha escolhido.  Na terra rica dessa região, março é o pique da florada da « Camellia Japonica Alba Plena ». É a época da colheita dessas flores brancas, delicadas mas sem perfume, que devem ser colhidas manualmente. Serão necessárias 2200 flores para cada kilo do ativo hidratante que entram na composição da linha de cremes lançada em 2009.

O Plantarium de Jean Thoby

Jean Thoby gosta de lembrar que a Alba Plena é muito difícil de plantar, e que foi necessário dez anos de trabalho, e que sem o patrocínio da Chanel essa variedade teria desaparecido. O sucesso só chegou depois de muitos testes. Foi necessário encontrar uma região com o clima adequado, e trazer as primeiras mudas. Elas vieram de um viveiro da família em Nantes, onde existiam varios pés adquiridos do fornecedor da Exposição universal de Paris de 1900. Os pais do Thoby contavam que a Coco Chanel teria visto as camélias durante uma visita, ou numa floricultura da rua Cambon em Paris que tinha o mesmo fornecedor.

O castelo de Gaujacq, tombado pelo patrimônio histórico

O projeto da Chanel ainda não aparece nas rotas turísticas,  mas o proprietário do castelo de Gaujacq já está aproveitando a notoriedade internacional que tragam novos turistas para as visitas guiadas desse monumento com arquitetura original e apartamentos mobiliados. Chanel ajudou também nos investimentos, financiou a renovação dos salões de festas que serão em contrapartida exclusivamente utilizados para os eventos do grupo ou para exposições culturais abertas ao público. As obras do caminho de ronda das camélias e uma nova sinalização turística, informando sobre as variedades da flor, vão facilitar as visitas.

Não se sabe porque a Coco Chanel tinha escolhida as camélias  como suas flores favoritas.  Solidariedade com o trágico destino da heroína do livro “La Dame aux camélias” do Alexandre Dumas, homenagem a liberdade associada com essa flor pela Princesa Isabel, saudade do primeiro buquê oferecido pelo seu grande amor Boy Capel, ou referência ao escritor Marcel Proust, Chanel nunca explicou as razões da sua paixão. É porem certo que ela utilizou essas flores em todas as suas coleções tanto de moda que de joalharia. Agora vindo de Gaujacq, as camélias vão continuar a estar presentes nos seus cosméticos e nos seus perfumes.

Veneza, parabens para os seus 1600 anos!

A tradição, ou a lenda, ensina que Veneza foi fundada no dia 25 de março de 421. Três cônsules, mandados pelo prefeito de Pádua, teriam iniciado neste dia a construção da igreja de San Giacometo do Rialto, ainda hoje considerada uma das mais antigas da cidade mesmo se datando provavelmente do século XI. Os historiadores são mais divididos, alguns escolhendo 452, quando a lagoa foi o refúgio dos sobreviventes da destruição da cidade vizinha de Aquileia pelas hordas de Átila, outros preferindo 697 quando o patrício Paulicius foi eleito e reconhecido pelo então soberano bizantino como primeiro “doge” (duque en lingua veneta).

San Giacometo do Rialto, lendário lugar de fundação da cidade

As comemorações dos 1600 anos começaram dia 25 de março na basílica San Marco, com uma missa celebrada pelo Patriarca Francesco Moraglia – retransmitida on-line para respeitar as rígidas normas sanitárias da Itália. As 4 da tarde, os sinos de todas as 84 igrejas da cidade tocaram juntos, e a rede nacional de televisão italiana apresentou um documentário em homenagem a Veneza com músicas, fotos e vídeos ilustrando a peculiar história da Serenissima. A prefeitura anunciou também muitas iniciativas culturais previstas para 2021 e 2022, misturando o virtual com o máximo de presencial se a pandemia deixar.

Os navios de cruzeiros devem agora ancorar fora da cidade histórica

Para seu aniversário, o primeiro presente que Veneza recebeu foi porem a proibição feita aos grandes navios de cruzeiro de entrar no Grande Canal. Anunciada de forma solene pelos ministros da cultura, do turismo, do meio ambiente e das infraestruturas, a decisão  tinha sida tomada em 2012 para “proteger um patrimônio pertencendo não somente a Italia mas a toda humanidade”, mas ainda não vigorava devido aos atrasos na construção de um porto alternativo.  A pressão dos moradores, as exigências da UNESCO, e a emoção provocada por dois incidentes graves em 2019 levaram o governo italiano a encontrar uma solução provisória no porto industrial e a efetivar a proibição.

235 projetos vão comemorar os 1600 anos

Além dos grandes eventos tradicionais como a famosa Biennale ou o Venice Boat Show, com numerosas ideias e propostas vindo não somente dos moradores mas do mundo inteiro, o  Comitê da comemorações dos 1600 anos  já selecionou 235 projetos para serem apoiados pela prefeitura. Nessa cidade que já sofreu do overturismo, mas cuja economia depende completamente dos visitantes, é certo que todos terão que seguir as novas tendências do turismo pós Covid. Um turismo construído com os moradores, mais ligado com os fluxos domésticos, espalhado em todos os cantos da cidade, privilegiando os pernoites e as estadias mais longas. Um turismo mais qualitativo a altura das esplendores que essa cidade mágica oferece a seus visitantes há 1600 anos!

Jean-Philippe Pérol

A retomada pode se projetar sem os excessos do overturismo?

150 anos da “Commune”, a controvertida e fascinante história de Paris

O Palácio dos Tuileries teve que ser destruído depois do incêndio

No próximo dia 18 de Março, Paris vai começar a comemorar os 150 anos de uma das mais polêmicas e mais sangrentas páginas da sua história, quando as tropas do governo – os “Versaillais”- venceram os insurgentes “communards”, e fuzilaram mais de 30.000 homens, mulheres e crianças. Último episódio das revoluções patrióticas e democráticas que sacudiram a  França desde 1789, ou primeiro grande levante social da história contemporânea, a “Commune de Paris” ainda divide os políticos franceses, e mesma a saudosa canção “Le temps des cerises“, hino muito tempo proibido, ainda  não faz a unanimidade. Mas a prefeitura aprovou as comemorações, e  vai, até o 28 de Maio, organizar homenagens, palestras históricas, e exposições culturais, sempre adaptados ao contexto sanitário atual.

Louise Michel, ícone da Commune de Paris nos cartazes dos 150 anos

Os eventos têm uma forte dimensão politica, a prefeita socialista lembrando aos moradores que a revolta era democrática e social, e que algumas reivindicações eram surpreendentemente modernas. Além das violências – que provocaram muitas mortes mas também a destruição de monumentos simbólicos como o Palácio dos Tuileries ou a Prefeitura-, a “Commune” foi pioneira na gratuidade do ensino, na separação da igreja e do estado, no divorcio consensual, ou nos direitos das mulheres. Foi por sinal uma mulher icônica, Louise Michel, militante anarquista, combatente da linha de frente, exilada na Nova Caledônia depois da derrota, que foi escolhida no cartaz das comemorações.

A Commune começou nas ruas e nas praças de Montmartre

Vários eventos vão marcar o início da comemorações dia 18 de Março. Em Montmartre, onde a Commune começou, será reconstituída uma barricada e 50 parisienses foram selecionados para trazer 50 silhuetas  de revolucionários realizadas pelo artista  Dugudus. As peças representam personalidades anônimas ou famosas, como a anarquista Louise Michel, o pintor Gustave Courbet, ou o poeta Arthur Rimbaud, e serão depois expostas na Prefeitura. No mesmo dia, será inaugurada uma “Alameda da Ile dos Pins”, com os nomes dos numerosos revoltados, homens e mulheres, que foram deportados para essa ilha da Nova Caledônia depois da liquidação da revolta.

A Ile des Pins, Nova Caledônia, onde foram deportados mais de 3000 revoltados

Várias exposições serão também apresentadas.  O comitê histórico da prefeitura realizou “1871 : les 72 jours de la commune” que começará no bairro das Buttes Chaumont, depois continuará na biblioteca da Sorbonne e enfim  no Marais. Uma coleção de cartazes da época, batizada “A l’assaut du ciel” será exposta  em 20 escolas parisienses. São previstos espetáculos de rua da tropa artística nos principais bairros simbólicos da Commune, bem como vários roteiros turísticos acompanhados de guias, organizados pelas subprefeituras de Paris. Em parceria com associações, uma mapa interativo apresentará locais e personagens, conhecidos ou não, que tiveram um papel nos eventos da época.

A Praça de l’Hotel de Ville, lugar chave das comemorações

Alguns eventos serão encenados para atrair moradores e turistas. Dia 2 de Abril será reconstruído na frente da Prefeitura o julgamento da anarquista Louise Michel, com historiadores opondo os argumentos dos “Versaillais” e dos “Communards”. Se as condições sanitárias melhoraram, o julgamento será retransmitido em uma tela gigante na praça do Hotel de Ville, e os debates serão seguidos de de leituras e de cantos. Dia 28 de Maio, aniversário do último dia do levante, será realizado um espetáculo de sons e luzes “Le Pari de la Commune” na rua de la Fontaine du Roi, 17.  No mesmo lugar aonde tinha sido erguido a última barricada, comediantes e músicos encenarão  o final desse drama, parte da tão peculiar historia que faz de Paris uma cidade única.

Jean-Philippe Pérol

O Sacré Coeur, símbolo controvertido da derrota da Commune

No castelo de Thoiry, nobreza e criatividade até no zoológico

A magia do solstício de verão no castelo de Thoiry

Ser o herdeiro de um castelo é um sonho que fascina, mas pode virar uma grande dor de cabeça quando a sua manutenção chega a custar centenas de milhares de euros . Foi assim para o Conde Paul de la Panouse, que teve em 1965, aos 21 anos, que encontrar meios de financiar o castelo de Thoiry, pertencendo a sua família há 400 anos. Começou recebendo visitantes, mas teve en seguido a ideia de aproveitar o parque de 40 hectares para abrir um zoológico. Com a ajuda de um amigo diretor de circo, arrumou os espaços, comprou um elefante, alguns ursos e duzentos animais vindo da África. Em maio de 1968, enquanto os estudantes parisienses construíam suas barricadas, os primeiros turistas descobriam a “Reserva africana de Thoiry”.

Os ursos são a grande atração das noites nas tocas

O impressionante sucesso – 500.000 visitantes em 2019 para encontrar os 750 animais espalhados em 400 hectares -, é sem dúvidas o fruto das inovações que o Conde e sua esposa, Anabelle, sempre trouxeram para o parque: jantar dos leões,  abertura no inverno, caminhão-seva, festival das luzes selvagens, túnel dos tigres, tirolesa dos leões, Safari Air Park, ou Wild Forest. Essa criatividade não parou com a crise. Procurando experiências exclusivas, Thoiry está programando a abertura en maio das “tocas de Thoiry”, vinte bangalós, palafitas escondidas onde os hóspedes poderão deitar olhando a vida noturna dos ursos e dos bisões, e serão acordados pelos rugidos dos leões, os berros dos elefantes ou os uivos dos lobos em liberdade.

Os bangalós são simples, sem calefação ou ar condicionado mas com cama king size e banheiro completo, e janelas especiais para poder observar os animais com a devida discrição. Reservar uma toca dá também direito a uma programação privilegiada. O visitante é recebido por um guia que entrega o equipamento  de sobrevivência, lanternas, binóculos, aparelhos de visão noturna necessários para aproximar-se dos animais. Depois de uma visita exclusiva do parque, é hora do churrasco e, de volta no bangaló, de aproveitar o concerto mágico dos gritos e barulhos próprios a cada espécie presente no zoológico.  E acordando cedo, é possível ainda de aproveitar para se despedir dos seus animais favoritos antes da abertura aos outros visitantes.

História e genealogia, as outras paixões do Conde de la Panouse

Se o sucesso de Thoiry veio pelo parque, não se deve esquecer o castelo, ainda habitado pela família. Construído a partir de 1559, suas dimensões seguem o numéro de ouro utilizado nas pirâmides, en harmonia com os ciclos solares , a sala central marcando os solstícios de inverno e de verão. Tendo ficado na mesma familia desde 1612, Thoiry abriga uma excepcional coleção de arquivos que Paul de la Panouse mostra com muito orgulho. São milhares de documentos lembrando uma impressionante genealogia, onde constam o rei Luis XV, um deputado da Revolução e um calife de Cordoba , bem como milhares de livros alimentado sua paixão pela leitura. A sua segunda paixão talvez, sendo a primeira esse excepcional parque que ele construi com ousadia e criatividade, e onde ele gosta de caminhar olhando os animais, conversando com uma familia e até servindo como guia de um grupo de visitantes que terão vivido uma excepcional experiência.

Jean-Philippe Pérol

Castelo, parque -e nobreza- são um assunto de familia juntando o Conde, sua esposa Annabelle, e a nova geração agora no comando

Não faltam hospedes brasileiros no parque!

Capivara com filhote

Tamanduá bandeira

Mico leão

%d blogueiros gostam disto: