Quais limites para o turismo de luxo e as experiências exclusivas?

Desde 1912, o drama do Titanic fascinou viajantes aventureiros

A notícia chocou o mundo. Os 5 passageiros do Titan, pequeno submersível desaparecido há 5 dias, eram mortos numa dramática implosão, e seus corpos desaparecidos nas águas frias do Atlântico, a 3800 metros de fundo, nas proximidades dos destroços do Titanic. Um fim trágico para um viagem  excepcional organizada para três turistas milionários. Eles tinham investido  US$ 250.000 cada um para esta experiência exclusiva junto com o fundador da Ocean Gate, o americano Stockton Rush, e o grande especialista francês Paul-Henry Nargeolet.

O Ocean Gate era muito inovador, mas sem certificação

Devido aos preços astronômicos e as tecnologias específicas, poucas empresas oferecem esse tipo de expedições, mas a Ocean Gate, fundada em 2009, parecia ser uma delas. Ela já tinha organizado 14 viagens e 200 mergulhos bem sucedidos, primeiro com dois submarinos comprados, e depois com seu próprio submersível.  Muito inovador, o Titan não tinha, porém,  conseguido nenhuma certificação, e vários engenheiros e cientistas já tinham avisado sobre os riscos. Mas o Stockton Rush falava que estes riscos faziam parte da aventura, era muito convincente, e, mesmo com incidentes sérios, já tinha levado no seu pequeno submarino 60 clientes e 15 pesquisadores.

Junto com o espaço orbital, as montanhas extremas, ou os recordes de frio da Antárctica e do polo Norte, as profundezas dos oceanos são um dos campos de exploração do turismo de aventuras dos viajantes mais afortunados. Alguns hoteis de luxo de Maurício, do Vietnã ou das Maldivas oferecem experiências submarinas emocionantes em recifes de corais. Os ricos aventureiros querem muito mais. A Triton Submarines já vende submarinos de lazer podendo mergulhar até 1.000 metros de profundidade com toda segurança. A EYOS  oferece agora viagens de US$ 750.000 para a Fossa das Marianas, com 11 quilômetros de profundidade. Mas o fascínio ambíguo pelos destroços do Titanic criou um nicho que Ocean Gate quis aproveitar antes que a tecnologia fosse certificada.

A Antártica é um dos novos destinos do turismo extremo

Guardando o devido respeito frente ao drama das vítimas e das suas famílias, a implosão do submarino da OceanGate  suscitou um debate sobre a reação dos atores do  turismo frente a essas experiências extremas. As experiências extremas não deveriam ser oferecidas sem uma garantia mínima de segurança, mesmo em lugares ou situações isentas de qualquer autoridade governamental. A simples promoção de pacotes fugindo dessas regras deveria ser regulamentada.  E enquanto a sustentabilidade, o balanço carbone e a preservação do meio ambiente são hoje exigências fundamentais, a oferta de aventuras em total contradição com essas novas tendências não ajuda a imagem do turismo, e menos ainda do turismo de luxo.

Muitas agências estão surgindo para atender pedidos milionários para experiências altamente exclusivas, mas com mais segurança e atenção ao meio ambiente. Um exemplo é a agência britânica chamada Black Tomato. Ela oferece o programa Get Lost, uma aventura em que o turista é deixado em um lugar desconhecido, montanhoso, polar, desértico ou selvagem, quase inacessível, onde deve achar o caminho de volta à civilização, sendo somente supervisionado de longe. Mas o verdadeiro luxo extreme do século XXI só pode ser atingido quando essas viagens são a ocasião de experiências transformadoras, descobertas de lugares exclusivos, momentos autênticos de intercâmbio com naturezas ou culturas inacessíveis, encontros inesperados com moradores, que representem, sem ostentação, o verdadeira luxo.

Jean-Philippe Pérol

A imensidão da Amazônia é um campo imenso para o novo turismo extremo

 

Em Veneza, um novo conceito da hospedagem de luxo

Veneza, lógica escolha do Grupo Evok para sua abertura internacional

Para os três co-fundadores do grupo hoteleiro francês Evok Collection, Pierre Bastid, Romain Yzerman e Emmanuel Sauvage, era lógico que Veneza, cidade de história e de emoções, sonho de viajantes de todas as nacionalidades e todos os perfis, devia ser a primeira abertura internacional. Com a compra de um palácio veneziano localizado a 400 metros da Praça São Marco, nasceu assim  em dezembro de 2017 um projeto ambicioso, abrir – com a marca Nolinski – uma nova referência em hotelaria de luxo na Sereníssima. As obras de renovação respeitaram o estilo do prédio que já misturava o Liberty, o Art Nouveau e partes mais modernas (mas também tombadas).

No Nolinski Venezia, o charme discreto do luxo sóbrio e descontraido (@Evok Collection)

O Nolinski Venezia é, pela classificação italiana, um 5 estrelas de luxo, mas segue o DNA da Evok Collection, inspirando novas tendências de vida, oferecendo discrição e bem estar no coração de bairros animados, criando novos códigos para hotelaria de alto padrão. Nolinski brinca com os materiais e as harmonias, peças de arte integram decorações clássicas, uma inspiração marina combina com a arquitetura do palácio. O trabalho de artesãos locais pode ser visto através de savoir-faire típicos de Veneza como o  marmorino, mas foram também introduzido elementos contemporâneos combinando com o clássico design italiano.  

Emmanuel Sauvage, co-fundador e Dietor Geral da Evok Collection (@Cedric Crouillat/Evok Collection)

Para Emmanuel Sauvage, é importante entender os clientes dos hoteis de luxo estão mudando, cada vez mais numerosos mas também mais jovens e mais diversificados, com estilos diferentes. Para ele, “o tradicional palace já pertence ao passado,  a Evok represente o futuro com um luxo mais sóbrio, mais sereno, criador de experiências memoráveis, oferecendo mais sonhos de vida”. Esse conceito tem em comum com os grandes hotéis tradicionais de oferecer um serviço muito personalizado, mas essa promessa deve também se livrar dos constrangimentos do passado, com uma visão modernizada, mais intimista, mais discreta e mais descontraída.

Nas pequenas praças de Veneza, o prazer de escapar ao overturismo

Para os quase 30 milhões de turistas que visitam Veneza anualmente, a Praça São Marco, a Basílica ou Palácio Ducal são experiências imprescindíveis,  mas uma nova clientela quer viver Veneza de outra forma.  Além de um hotel diferente, a Evok quer oferecer a Veneza dos venezianos. A cidade está fazendo um trabalho impressionante para mudar sua imagem, controlar o overturismo, desenvolver um turismo responsável, mais qualitativo, e com mais benefícios para os moradores.  O Nolinski Venezia quer ser o portão de entrada desse dinamismo, do seu arte contemporâneo, das suas exposições, dos seus eventos culturais, das suas lojas de luxo.
Le Nolinski Venezia entend s'adresser aussi à une clientèle plus jeune et plus décontractée (@Nolinski Venezia)

O Nolinski Venezia quer atrair uns viajantes mais jovens e mais descontraídos (@Nolinski Venezia)

O Nolinski Venezia tem 43 quartos, sendo 8 suites juniors e 12 grandes suites, com preços a partir de 850 €. Todos os quartos têm vista para as ruas ou os tetos da Sereníssima. No sexto andar, a vista é de 360 graus, em volta da única piscina aberta num hotel veneziano. Um lugar perfeito para relaxar antes de tomar um aperitivo no bar do terceiro andar, ou de jantar no Palais Royal Restaurant dirigido pelo chef Philip Chronopoulos, atual chef do restaurante Palais Royal de Paris (2 estrelas no Michelin) e do restaurante do Nolinski Paris. A abertura oficial do hotel foi marcada para o 1 de Julho, mas a equipe já está completa para um « soft opening » no 1 de Maio.

Esse artigo foi inspirado de uma entrevista do Emmanuel Sauvage, Diretor Geral do Grupo Evok, e de Alessandro Caristo , Diretor Geral do Nolinski Venezia, pela jornalista Paula Boyer, publicado na revista profissional francesa TourMag

O Orient-Express, fênix das viagens de luxo

Depois de 140 anos, a saudade do rei dos trens e do trem dos reis ainda fica 

O Orient-Express teria festejado o ano que vem seus 140 anos. Prestigioso trem lançado em 1883 pela  Compagnie internationale des wagons-lits , ele ligava em 4 dias Paris a Istambul com um conforto e um luxo inédito. Mas depois de virar um verdadeiro mito – consagrado em 1934 no grande clássico da Agatha Christie-, o mais famoso trem do mundo sofreu das consequências da segunda guerra, teve suas operações complicadas pela cortina de ferro, e entrou em decadência a partir de 1962. Perdeu seu glamour, acabou com suas ligações diretas para Istambul, fechou suas agências – a Wagons lits só conseguiu resgatar Budapeste e Sofia-, e finalmente encerrou suas atividades em 1977.

O Orient-Express, o renascimento com o Venise Simplon Orient Express

Mas, mesmo sumido, o Orient-Express levantava muitas paixões, muitos projetos e mostrou ser um verdadeiro fênix. Em 1976, a operadora suíça  Interflug lançava o “Nostalgie Istambul Orient Express” que sobreviveu, com muitas dificuldades, até o inicio dos anos 2000.  O americano James Sherwood foi mais bem-sucedido. Renovando 18 antigos vagões da Wagons lits, aproveitando o seu prestigioso hotel Cipriani em Veneza, reabriu em 1982 um “Venise Simplon Orient-Express”, ligando Londres e Paris a Serenissima capital. Explorado hoje pela Belmond (do grupo LVMH), este fiel herdeiro estica varias vezes por ano seu itinerário até Vienna, Budapeste e mesmo Istambul.

Accor quer relançar não somente o trem mas também os hotéis

Proprietario da marca “Orient Express” junto com a SNCF, o francês Accor anunciou que quer ver renascer a lenda do mais prestigioso trem do mundo. Com 17 vagões dos anos vinte reencontrados na Polônia, redesenhados pelo famoso arquiteto Maxime d’Angeac, o grupo prevê a reabertura da linha em 2024.  Vagões-leito, vagões-restaurante e salões serão renovados no estilo “Art deco” original, incluindo painéis do Lalique, mas com toques contemporâneos. Para garantir essa autenticidade nos mínimos detalhes, Accor quer que esse novo Orient Express seja  uma obra de artesãos, apoiados por grandes marcas de luxo, uma vitrina do “savoir faire” e da excelência franceses.

O novo turismo de luxo é também brasileiro!

O Rosewood do Cidade Matarazzo, novo ícone do luxo paulista

O sucesso do último ILTM LATAM mostrou que a retomada do turismo de luxo é agora um fato consumado. Enquanto a China continua quase fechada e lutando para manter seu zero Covid, a Russia paralizada com os boicotes ligado a guerra, e o Japão sempre cauteloso em tempo de incerteza, o Brasil está virando o segundo mercado internacional. E em muitas capitais europeias ou americanas, os brasileiros já estão representando mais de 10% da clientela dos palácios, dos shoppings ou dos restaurantes estrelados. A explosão dos preços das passagens saindo do Brasil – e as dificuldades para encontrar vagas nos aviões – parecem também confirmar essa euforia.

Nos “palaces” parisienses, mais de 10% de clientes brasileiros

Essa volta do luxo é mundial, a previsão é de chegar em 2025 a US$ 10 trilhões, o dobro do faturamento pre-Covid, com uma media superior a sete viagens de lazer por ano para as classes A+. Mas no mesmo tempo essas viagens vão seguir as novas tendências que vão impactar as escolhas dos destinos. Hoje a  segurança deve ser total, sanitária e pessoal, a personalização requerida por 80% dos viajantes deve incluir sob-medida e flexibilidade. A sustentabilidade deve incluir um intercambio com a cultura e a população local, e as experiencias – autenticas, exclusivas, e transformadoras- devem  ser o grande foco – incluindo o Wow factor– de cada viagem.

Luxo e sustentabilidade no Mirante do Gavião

As viagens de luxo dos brasileiros deve também seguir uma outra tendência marcante do turismo mundial,  o crescimento das viagens domésticas e/ou de proximidade. Nos Estados Unidos, na França, na Espanha e em todos os países onde coabitam um importante mercado emissor e destinos turísticos atrativos, o turismo domestico deu um pulo impressionante. E está sendo assim no Brasil. Xodó dos ecologistas pelo baixo impacto de carbono, seduzindo os políticos pelo impacto direto nos moradores e nos eleitores, o turismo doméstico seduziu até mais de 90% dos viajantes durante a crise. As pesquisas feitas no ano passado, e as recentes estatísticas da BRAZTOA, mostraram que essa tendência vem para ficar.

Nas aguas do Tapajós, exclusividade e experiências transformadoras

Um novo olhar vai valorizar destinos jà conhecidos mas ainda com grande potencial de turismo de luxo. A poucas horas de avião, em Fernão de Noronha, nos Lençóis, no Pantanal, nas Missões, nas Chapadas, em Jericoacoara, nas Cataratas de Iguaçu, frente as Anavilhanas ou nas margens do Tapajós, paisagens excepcionais e experiências únicas em condições exclusivas esperam o viajante mais exigente. Mesmo acostumado a se emocionar com outros destinos internacionais,  poderá encontrar nas paisagens do Brasil o mesmo “Wow” ou o mesmo momento instagramável.

Em Ilha Bela, um luxo caribenho a três horas de São Paulo

Membros ou não da pioneira BLTA   , dezenas de hotéis, pousadas ou lodges já oferece um atendimento do mais alto padrão. O Mirante do Gavião, o Saint Andrews, o Txai, o Ponto do Gancho empurraram Nova Ayrão, Gramado, Itacaré ou Florianópolis como destinos de luxo. E o litoral paulista, de Ilha Bela a Paraty, ainda oferece muitos “best kept secret in town” para ricos e famosos que querem alternativas acessíveis de caro. Nos grandes destinos tradicionais, o luxo ganhou o novo impulso no urbanismo e na arquitetura, na cultura e nos grandes eventos, e uma riqueza gastronômica reconhecida pela própria Michelin. Ganhou com a abertura de novos hotéis, como recentemente o Fairmont do Rio ou o Rosewood de São Paulo que já conseguiram uma notoriedade internacional. Um argumento a mais para convencer os viajantes de classe A+ que o turismo de luxo é também brasileiro!

Jean Philippe Pérol

De Valencia ao Rio de Janeiro, o genio de Calatrava

As novas tendencias do turismo de luxo

As Sources de Caudalie, um Palace homenageando enoturismo e bem estar

Depois de quase dois anos de turismo reprimido, a esperada corrida para o exterior começou a virar uma realidade, mas seguindo ritmos muito diferentes, seja nos destinos – a abertura das fronteiras ainda sendo lenta- , ou seja nas motivações dos viajantes. Enquanto o setor corporativo recomeça com muita cautela, o lazer parece querer recuperar o tempo perdido e os países abertos para os brasileiros – ontem Mexico e Oriente Medio, hoje França, Portugal ou Suíça, amanha Estados Unidos e talvez América do Sul- estão sendo retribuídos com níveis de reservas até superior a 2019.

O Museu da Marinha, de guarda moveis dos Reis a templo do luxo francês

Se todos as viagens de lazer estão aproveitando essa onda, um setor parece aproveitar ainda mais essa fome de viajar: o luxo. O sucesso de dois eventos profissionais, France Excellence e o ILTM, mostrou que o luxo parece viver um momento privilegiado junto aos “key players” do turismo brasileiro. Focado na excelência francesa, o primeiro foi marcado por palestrantes que mostraram novas tendências do luxo – as vezes, assim como o diretor da Hermès para América do Sul- preferindo evitar a palavra luxo e falar somente de alta qualidade.  No último debate do evento, Caroline Putnoki, diretora da Atout France, e Alexandre Allard, criador do projeto Matarazzo, concordaram em dizer que luxo é, antes de tudo, cultura e exclusividade.

O Sofitel Legend conta a glória de Cartagena de las Indias

Tendo deixado a Bienal de Ibirapuera pelos salões do Tivoli, o ILTM foi uma outra demonstração da confiança dos profissionais internacionais na resiliência do mercado das viagens de luxo. “Palaces” e hotéis de luxo de Paris, Londres, Nova Iorque ou Lisboa festejam a volta do seus tradicionais hospedes brasileiros, e as reservas para os próximos vezes deixam esperar para 2022 níveis superiores a 2019. Estações de esqui dos Alpes franceses ou suíços, operadores do Portugal, do Egito, ou dos Estados Unidos confirmaram essas tendências. O otimismo geral terá agora que ser confirmado pelas companhias aéreas por enquanto muito discretas e que ainda devem dobrar sua oferta de assentos para voltar aos níveis anteriores a crise.

O Rosewood São Paulo, luxo juntando assinaturas de Nouvel e Stark

Mas alem da retomada dos próximos meses, os profissionais devem também aproveitar os encontros realizados nesses eventos – France Excellence, ILTM ou em breve Festuris– para responder as novas exigências do turismo de luxo. Os hotéis vão precisar ainda mais de inovação e de serviços personalizados, com vantagem para aqueles que têm uma historia própria ou um patrimônio arquitetural excepcional e souberam valorizar-los. Os agentes deverão propor experiências novas extremamente customizadas, e acima de tudo com conteúdos culturais valorizantes e se possíveis exclusivos.

Nas Ilhas de Tahiti, o Brando combina alto luxo e sustentabilidade

Um quarto pilar do turismo de luxo sai reforçado da crise: a atenção especial dada a sustentabilidade. Trata se de se assegurar de todas as componentes da viagem, dos cuidados com os transportes utilizados, da certeza dos processos dos hotéis reservados. É também de dar um verdadeiro conteúdo de respeito do meio ambiente e dos moradores, incluindo opções de compensação de emissão de carbone, ou em alguns casos envolvimento em projetos locais. Cauteloso com bling-bling, rico em conteúdos, o novo turismo de luxo oferece assim experiencias com quatro pilares: alta qualidade, exclusividade, cultura e sustentabilidade.

Jean-Philippe Pérol

 

Exclusive meetings in the Belmont Savute

Esse artigo foi inicialmente publicado no Blog “Points de vue” do autor na revista profissional on line Mercado e Eventos

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