Para a OCDE, a retomada do turismo ainda precisa ser acompanhada

A OCDE sugere ideias para uma retomada sustentável

Na euforia da retomada e dos bons resultados de muitos setores do turismo mundial – receitas em alta, revenge travel, boom do luxo ou fortalecimento do turismo domestico-, vários dados mostram também que o fraco desempenho da economia internacional, o choque energético, a guerra na Europa, a volta da inflação e a queda do poder aquisitivo das classes medias podem resfriar o entusiasmo dos profissionais. Segundo o relatório 2022 Organização pela Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, a volta dos números de turistas internacionais aos niveis de 2018/2019 não deve agora ser projetada antes de 2025, e talvez somente em 2026.

Segundo o NTTO, os fluxo Brasil Estados Unidos só voltarão em 2027 aos níveis de 2018

Os últimos dados da Organização Mundial do Turismo sobre 2022 mostram um volume de 900 milhões de turistas internacionais, 37% a baixo dos nivéis observados em 2019, mas com variacões regionais extremamente forte, de menos 77% na Asia a menos 17% no Oriente Medio, passando por menos 35% nas Américas e menos 21% na Europa. Assim que foi observado no Brasil – onde os fluxos para Europa já chegaram perto dos nivéis pre-pandemia enquanto o número de turistas para Estados Unidos so deverão voltar aos valores de 2018 em 2027-, o relatório lembra que a situação é assim extremamente diferenciada dependendo de cada pais e de cada mercado.

A Slovénia já se recuperou da crise

Num setor que foi extremamente fragilizado pela crise – a participação do turismo ao PIB nos paises da Organização caiu em media de 1,9%-, a OCDE destaca o sucesso de vários destinos que já superaram o ano passado os números anteriores a 2019. Os destaques são na Europa o Dinamarca, a Slovénia, a Grécia, o Luxemburgo, e a Espanha. No Portugal e na Turquia,  os resultados se aproximam dos obtidos antes da crise em numeros de entradas, mas as receitas turísticas já ultrapassaram os valores anteriores. No Oriente Medio, o Egito já recuperou os volumes anteriores e antecipa um forte crescimento das reservas para esse ano.

O Chile lançou um ambicioso programa de apoio ao setot

Para a OCDE, os sucessos de alguns paises não devem esconder que a crise do setor continua em outras regiões, especialmente na Europa Oriental, na Ásia, e que todas devem resolver problemas estruturais – alta dos precos da energia, falta de mao de obra, investimentos em normas ambientais-. Sem pessimismo -e sem ufanismo-, a retomada ainda deve ser sustentada, e varias medidas são sugeridas para as autoridades responsáveis.

  • Reforçar a colaboração entre os setores publico e privado para apoiar o crescimento construindo o futuro. Nos Estados Unidos por exemplo, a estrategia national para o turismo e as viagens  (National Travel and Tourism Strategy 2022) vai mobilizar toda a administração federal mas será executada sob o controle do Conselho da Politica do Turismo (Tourism Policy Conseil) em parceria com o setor privado.
  • Construir um setor solido e estável , mais preparado aos futuros (e inevitáveis) choques. Para reduzir as fragilidades do setor, é importante reforçar a capacidade  das administrações e das empresas de reagir muito rapidamente para poder enfrentar mudanças conjunturais ou novas crises politicas, financeiras, climáticas ou sanitárias. Foi assim lançado no Chile  um programa “PAR Chile Apoya Turismo 2022” para pequenas e medias empresas. Esse projet integra capacitações profissionais, planificação operacional, assessoria técnica, bem como financiamentos capital de giro e de novos investimentos.
  • Tomar medidas de curto e longo prazo para transformar o setor numa atividade verde. A Noruega criou um ferramenta chamado “CO2RISM” para calcular a quantidade de emissões de CO2 ligadas ao transporte dos turistas domésticos e internacionais no pais. Essa calculadora é um exemplo das medidas tomadas dentro da estratégia nacional de turismo que foi adotada pelo governo norueguês para ajudar os profissionais e os destinos a planificar e desenvolver até 2030 um turismo sustentável respeitoso do meio ambiente, da natureza e dos moradores.

Em Glascow, o turismo ganhando um novo impulso

Reunindo mais de 20.000 participantes vindo de 197 paises, a COP26 foi não somente momento chave no consenso internacional sobre a luta contre as mudanças climáticas, mas também um encontro marcante para o turismo global. Frente as perspectivas de dois bilhões de turistas em 2030 – a democratização das viagens e a chegada dos emergentes aumentando o risco de overturismo-, muitas vezes acusados de ser uns dos grandes responsáveis da poluição  e das emissões de CO2, 300 atores do setor foram reunidos em Glasgow pela Organização Mundial do Turismo para discutir de medidas concretas e de planos de ações imediatas.

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A “declaração de Glascow” lembra em primeiro lugar que os signatários acreditam que os combustíveis fósseis, a agricultura não sustentável e os modos de consumo descontrolados contribuam para as mudanças climáticas, para a poluição e para a diminuição da diversidade biológica. Reequilibrar a relação com a natureza é fundamental não somente para a saude dos ecosistemas e para o bem estar  pessoal, social e econômico de todos, mas também para a retomada sustentável e o proprio futuro do setor. A declaração lembra também que as ações escolhidas deverão contribuir a reduzir de 50% as emissões de CO2 até 2030 e de 100% até 2050,  e se encaixar nos objetivos do Acordo de Paris.

O turismo marcou presencia na COP26

Os profissionais recusam que o setor seja culpabilizado, e eles acreditam que o turismo pode ser na vanguarda de um futuro de baixo carbone. O setor – suas empresas e seus empregos- poderá assim crescer preservando suas atividades, suas infraestruturas, os ecosistemas onde são localizadas, bem como o bem estar doa moradores e das populações impactadas. A força dos compromissos assumidos pela OMT e seus 300 membros ficou clara, tanto pela transparência do processo iniciado -já prevendo a publicação de relatórios anuais- , que pelas medidas anunciadas agrupadas em cinco eixos de trabalho e iniciadas nos próximos doze meses .

A descarbonização foi um dos pontos principais discutidos em Glasgow

Medir : Medir e publicar todas as emissões ligadas a viagens e turismo, com metodologias seguindo as diretivas da Conferência para medição, relatórios e controles, sendo todos transparentes e acessíveis.

Decarbonizar : Definir e atingir objetivos conforme aos conhecimentos atualizados para acelerar a transição no turismo, incluindo o transporte, as infraestruturas, as hospedagens, as atividades, os restaurantes, e a gestão dos dejetos. A compensação pode ter um papel subsidiária mas somente como complemento de  realizações comprovadas.

Regenerar : Proteger os ecosistemas, favorecer as capacidades de absorção de carbone da natureza. Preservar a biodiversidade, a segurança alimentar e  o abastecimento de agua.  Nas regiões onde o impacto climatico é mais forte, informar os visitantes e ajudar os moradores a se adaptar as mudanças.

Colaborar : Comunicar os dados sobre os riscos e as precauções para todos os envolvidos, trabalhar para que os planos de emergencia sejam o mais completos e eficientes. Reforçar a capacidade de ação com as autoridades, as associações, as empresas, os moradores e os visitantes.

Financiar : Conseguir os recursos e as capacidades operacionais suficientes para atingir os objetivos, especialmente na capacitação, na pesquisa, e das ações anunciadas nos planos apresentados.

A declaração de Glagow marca um passo importante da retomada do turismo

Lógica e necessária pelo impacto existencial que a sustentabilidade terá sobre seu futuro, a “declaração de Glascow”, ja foi assinada pela OMT, o PNUD e os participantes constando nesta lista (ainda com poucos brasileiros a não ser o grupo ACCOR).  A declaração ainda deve ser completada, especialmente no que trata dos impactos dessas medidas sobre os custos para os milhões de turistas provenientes das classes medias dos países desenvolvidos bem como das classes emergentes dos países en desenvolvimento. Como lembrava o Gilbert Trigano, fundador do Club Mediterranée, o turismo é um formidável fator de felicidade e de momentos de igualdade social. O turismo sustentável deverá crescer com tranquilidade e segurança, guardando essas características.

Jean-Philippe Pérol

 

O turismo com 100 milhões de empregos a reconstruir

 

Egito, um dos destinos em destaque em 2021

Na véspera da alta temporada do hemisfério Norte, nos raros destinos internacionais abertos, os poucos viajantes vão com certeza amar os preços imbatíveis dos aviões e dos hotéis, a exclusividade das visitas de monumentos e atrações, a volta da natureza nos parques e jardins, ou a atenção especial dos guias e dos garçons. Menos visível para os visitantes, eles não poderão ver o outro lado da moeda desse “underturismo brutal”, o desaparecimento de muitos pequenos empregos que alegram o turista como motoristas, empregados, artesãos,  motoristas, vendedores de rua, artistas, animadores ou músicos.

Veneza saindo do overturismo e repensando uma nova relação entre turistas e moradores

Segunda uma estimativa do WTTC, o World Tourism and Travel Council, a queda de 74% do turismo internacional em 2020 já levou a destruição de 62 milhões de empregos, um número que poderia mesmo ter sido maior sem as medidas de apoio ao setor de muitos governos. A Organização Mundial do Turismo acredita porém que esses números são subestimados devido ao atraso da retomada, e já projeta para o final desse ano mais de 100 milhões de desempregados. Um cenário negro dentro do qual a OCDE teme que a metade das pequenas e médias empresas do setor desaparecem antes de 2022.  

As Ilhas do Tahiti souberam aproveitar o turismo para preservar seu patrimônio cultural

A crise do turismo impacta toda a economia de muitos países onde o setor representa não somente 10% do PIB, mas também a primeira fonte de divisas,  e até 25% dos empregos gerados nos últimos 5 anos. Em agosto 2020, um relatório da ONU chamou a atenção dos governos sobre a importância desses empregos, especialmente na África e na Oceania. Mesmo pouco qualificados, eles oferecem verdadeiras perspectivas de formação e de carreira para jovens sem diplomas, mulheres, populações rurais, povos autóctones e grupos marginalizados. São também essenciais a preservação do patrimônio natural e cultural. 

Os dois cenários da OMT para 2021

As perspectivas a curto prazo continuam pessimistas. Depois de anunciar uma queda de 87% do turismo internacional em janeiro, a OMT publicou dois cenários para 2021. O primeiro seria de uma retomada a partir de julho, com um aumento de 66% das chegadas em relação a 2020 – ainda inferior de 55% aos níveis anteriores a crise  O mais provável seria no entanto o segundo, uma volta ao normal a partir de setembro, um aumento das chegadas de somente 22% em relação a 2020 – inferior de 67% aos níveis de 2019.  A saída definitiva da crise seria assim projetada para janeiro ou abril de 2022. 

O turismo pos Covid ainda deve ser redesenhado

Com a normalidade ainda demorando a voltar, muitos dos seus profissionais obrigados a encontrar empregos em outras atividades ou perdendo fé no futuro do setor,  o turismo corre o risco de perder os homens e as mulheres que são a sua maior riqueza. Mesmo com as dramáticas circunstâncias atuais, ninguém deve porém perder a esperança. Em primeiro lugar porque os fluxos de turismo internacional vão voltar a crescer, a projeção da OMT de 1,8 bilhão de turistas para 2030 sendo somente recuada de dois ou três anos, permitindo a recuperação dos 100 milhões de empregos perdidos . Em segundo lugar porque o turismo vai acelerar uma extraordinária mutação – ecológica, social, cultural e comportamental- que vai ser para todos os profissionais do setor, e especialmente os mais jovens,  um desafio apaixonante.

Jean-Philippe Pérol

Emoções transformacionais e exclusividade,  tendências para ser respondidas

Moradores e compatriotas, a revolução-mor do turismo pos Covid?

A Occitânia aposta no turismo de proximidade Foto Patrice Thibault)

Mudando o nome de Comité regional de turismo da Occitânia para Comité regional de turismo e lazeres da Occitânia, os responsáveis dessa grande região turística francesa – sede de destinos famosos como Lourdes, Carcassonne ou Toulouse- aproveitaram uma das maiores revoluções que está sendo trazida pela crise do Covid 19: a nova força do turismo local e doméstico, dos moradores e dos compatriotas. Necessidade durante os meses de fechamento das fronteiras internacionais, essa procura de novas clientelas para compensar o sumiço das clientelas estrangeiras virou o novo eixo estratégico da politica turística occitana, com um orçamento de 3 milhões de Euros logo no primeiro ano.

No Brasil, a Occitânia é a terra de Lourdes e dos caminhos da fé

Longe de ser um detalhe, a mudança de nome mostra a vontade de revalorizar o consumo de lazeres dos moradores, uma virada estratégica para um segmento de clientela que já era cortejado como ator chave do turismo mas nem sempre percebido como consumidor. Mesmo se a ideia não é de desprezar as clientelas internacionais, essa nova orientação deve reequilibrar tanto a oferta de produtos que a comunicação. Segundo Vincent Garel, presidente do Comité, serão assim valorizados o slow-turismo, o turismo sustentável, o glamping, ou o turismo solidário. Com focos nos jovens e nas famílias, essa atenção para moradores levará a um reposicionamento em volta dos valores proprios da Occitânia.

O Pont du Gard atrai tanto turistas como moradores

Sucesso durante a crise, o turismo doméstico não representa somente um segmento de substituição, mas é parte de uma estratégia de longo prazo, não somente pela sua realidade atual mas pelo potencial de crescimento que ele representa. Jean Pinard, Directeur do Comité, gosta de lembrar que 40% dos franceses nunca saiam de férias, um número impressionante que mostra as oportunidades que todos os atores podem encontrar nesse público, tanto para estadias de curtas durações que para ferias principais. Com uma dimensão social que vem reforçar seu impacto econômico, essa nova prioridade deve atrair mais atenção e mais apoios dos responsáveis políticos.

 

Além da Occitânia, a OMT publicou recentemente um relatório sobre interessantes iniciativas junta a clientelas locais. Foi destacada a Slovenia, que  começou a campanha com uma sensibilização para as medidas sanitárias, dando a possibilidade de ganhar uma qualificação Green & Safe. Todas as regiões turísticas do pais foram convidadas a desenhar três itinerários especiais para os turistas domésticos. Eles são apresentados no site do Slovenian Tourism Board  e nas mídias sociais. A campanha mundial e o aplicativo The Time is Now. My Slovenia. têm agora versões em esloveno, e um vídeo promocional  foi divulgado com o apoio de influenciadores locais..

The creative Finnish Booard now targeting local market

O mesmo relatório da OMT mencionou também a campanha da Finlândia.  Com uma verba de 500.000 euros, apoiada na promoção internacional  “100 Reasons to Travel in Finland” da  Finnish Association of Tourism Organisations, a campanha destaca as ofertas dos pequenos profissionais que podem assim promover produtos mais específicos para turistas finlandeses. Centenas de ofertas são apresentadas no site Web, com sugestões de itinerários ou de circuitos. Esses exemplos, e outros da Noruega, da Austrália ou do Canadá, deixam os especialistas da Organização Mundial do Turismo prever que moradores e compatriotas abrem grandes oportunidades para o turismo pos Covid19.  .

Jean=Philippe Pérol

Turismo num raio de 100 km, um conceito que vai longe

Em Versailles ou no Louvre, o underturismo ameaça o patrimônio cultural e histórico nacional

O castelo de Versalhes ainda esperando americanos, chineses e brasileiros …

Depois da crise, o transporte aéreo acabando com o turismo de massa?

Agora aposentado, o B747 foi decisivo na democratização do turismo

Na história dos últimos 50 anos, a aviação foi o setor que mais influenciou as evoluções do turismo. Com a criação da classe econômica em 1958, o lançamento do Jumbo em 1969, e a multiplicação dos charters nos anos 70, a queda impressionante do preço das passagens levou centenas de milhões de viajantes para destinos distantes. No Brasil por exemplo, a tarifa YE, a mais barata ida e volta para Paris, custava USD 1250 em 1973. Esse valor atualizado com a inflação seria hoje de USD 7905, enquanto essas passagens, para o mesmo destino e na mesma classe podiam ser encontradas, ha poucos meses, a menos de USD 800, ou seja 10 vezes menos. Essa impressionante democratização foi possível  graças aos avanços tecnológicos, mas também por conta da densificação dos aviões – com coeficientes de ocupação passando de 60% para mais de 90%.

Na retomada, sair do underturismo sem voltar ao overturismo?

Levando o turismo de massa para lugares cada vez mais distantes, as companhias aéreas  tiveram um crescimento de 5% ao ano, dobrando os fluxos a cada 12 anos. Em 2020, já eram projetados pela IATA um recorde de 8 bilhões de viajantes com uma receita de USD 1,6 trilhão, e, de Veneza a Machu Pichu, de Roma a Bangkok, de Barcelona a Amsterdã, ou do Mont Saint Michel a Ilha de Páscoa, o overturismo era um dos maiores desafios levantados pelos destinos turísticos. A chegada do coronavirus mudou essa realidade, 80% da frota mundial de aviões está imobilizada, o tráfego aéreo internacional caiu de mais de 90%, hotéis, parques e restaurantes estão fechados, e os turistas confinados  só podem sonhar com impossíveis viagens e esperar que a retomada se apoie em conceitos inovadores  aproveitando tarifas aéreas sempre mais baratas.

As tarifas pos crise parecem  inacreditavéis

Olhando as ofertas de passagens para os próximos meses, pode-se pensar que as guerras tarifárias vão continuar. Alguns analistas pensam de fato que os viajantes vão demorar mesmo para entrar nos aviões, que os homens de negócios vão priorizar as reuniões virtuais, e que as perdas de renda da classe média vão impactar diretamente no turismo. Enquanto as crises anteriores – internacionais, financeiras, politicas, sanitárias ou ecológicas – sempre foram superadas em três, quatro ou seis meses, essa seria mais duradoura. Com clientes relutantes e precisando de cash depois de meses paradas, as companhias aéreas, sejam low costs ou tradicionais, prosseguiriam com suas politicas de promoções excepcionais, pelo menos até que o mercado volta a normalidade.

A Virgin Austrália é uma das companhias que foi a falência

Mesmo se ainda é cedo para antecipar o mundo do “day after” coronavirus, essa hipóteses é  porém  pouco provável. Três fatores devem impedir a queda das tarifas e a alavancagem do crescimento do turismo internacional. O primeiro é que muitas companhias aéreas não vão sair ilesas da crise. Algumas ja quebraram, outras encolheram, outras ainda só serão salvas por aportes maciços de financiamentos públicos. Assim o governo americano prometeu USD 25 bilhões para as companhias americanas, a França USD 7,7 bilhões para Air France, os Países Baixos USD 2,2 bilhões para KLM, e anúncios similares foram feitos pelos Emirados, Colombia, Singapura, Australia, China, Nova Zelândia, Noruega, Suécia e a Dinamarca. Não se tem dúvidas que essas ajudas terão claras contrapartidas de rentabilidade e de respeito a novas normas que deverão ser conciliadas.

O governo francês anunciou 7 bilhões para Air France com condições rigorosas

Duas exigências dos governos estão aparecendo e vão puxar as tarifas para cima. As novas normas de segurança vão exigir investimentos em novos equipamentos para proteger os funcionários e os clientes, e, para respeitar o distanciamento social, os números de assentos utilizados nos aviões deverão ser reduzidos, com um impacto direto sobre os preços das passagens. Frente à neutralização possível de até um terço dos lugares da classe econômica,  Ryan Air já anunciou que neste caso teria que rever até o seu próprio business modelo. Os empréstimos públicos podem ainda ter outras consequências, a pressão crescente das exigências ecológicas. Redução dos números de slots nos grandes aeroportos, normas de poluição mais rigorosas, e novas taxas “verdes” são algumas das medidas esperadas que vão atingir diretamente ou indiretamente o turismo.

Ryan poderia até parar se as cadeiras do meio fossem neutralizadas

Frente a essas novas despesas, as companhias terão que reverter a tendência de baixa das tarifas, e o « yield management » de não aceitar mais de vender abaixo dos preços de custo. Se o crescimento do turismo,  e as previsões da OMT de 1,8 bilhão de turistas internacionais até 2030, terão com certeza que ser revistas, a nova situação pode também gerar consequências tanto para as companhias aéreas – colocando a concorrência mais em relação à qualidade dos serviços do que em relação aos preços – quanto  para os agentes de viagem cujos conselhos serão ainda mais importantes para ajudar os viajantes a escolherem as melhores ofertas. E se o turismo de massa deve sofrer um certo recuo, a resiliência do setor,  bem como a vontade de experiências transformacionais, podem surpreender no momento da retomada.

 

Jean Philippe Pérol

O Coronavirus, crises e resiliência do turismo

Na praça Tien An Men, um casal de turistas em vez da costumeira multidão

Desde a explosão do turismo de massa, as crises são parte da realidade do nosso setor. Foram crises politicas, seja com guerras ou com atos de terrorismo, que atingiram o Oriente Medio mas também a Inglaterra, a França, os Estados Unidos, ou a Espanha. Foram desastres naturais, furacões no Caribe, tsunamis na Indonesia e na Tailândia, vulcões na Argentina ou na Islândia. Foram doenças contagiosas como  o SARS e a gripa aviária que castigaram a Asia,  ou a Ebola na África ocidental. Foram desastres industriais  como Tchernobyl na então União Soviética e Fukushima no Japão, ou desastres aéreos cujos traumas vão muito além dos amigos e dos familiares das vítimas. Cada crise impactou as economias das regiões atingidas (e as vezes a economia global), mas o turismo sempre foi fortemente atingido.

Macau sem seus lendários cassinos

Desde o 12 de Dezembro, inicio da crise, e enquanto o balance humano já se aproxima dos 600 mortos, o setor vê as más noticias se acumular. Só hoje, abrindo os jornais, se lê no le Point que a Air France KLM está suspendendo todos os seus voos para China até o 15 de Março,  no New York Times que os cassinos de Macau estão todos fechados, no El Pais que o coronavirus obriga a cancelar dezenas de eventos esportivos e perturba os Jogos de Tóquio, e no O Globo que quase 2 mil pessoas estão sob quarentena no navio cruzeiro World Dream atracado em Hong Kong. Alguns especialistas já estimam que  a epidemia poderá custar de 1 à 1,5% de crescimento ao PIB mundial, e setor de viagens e turismo deve sofrer um impacto negativo global estimado em 100 bilhões de USD ou mais.

Navio de cruzeiro em quarentena no porto de Hong Kong

O tamanho da crise se deve em primeiro lugar ao fato que ela atinge um pais que é o maior mercado mundial de turismo, com 150 milhões de viajantes gastando quase 300 bilhões de USD nas suas viagens internacionais, representando 20% das despesas mundiais. Na própria China são recebidos 60 milhões de visitantes internacionais , e mais de 4 bilhões de viagens domésticos são realizados pelos proprios chineses. As medidas excepcionais tomadas pelo governo chinês – suspensão desde janeiro de todas as viagens organizadas- , pelos grandes países emissores – os Estados Unidos, a Grão Bretanha e a França “desaconselhando” de entrar na China-, ou pelas principais empresas de transporte aero ou marítimo –  British Airways, Lufthansa, Air France, American Airlines, Delta, United, cruzeiros Costa ou  MSC-, explicam também a gravidade da crise que atinge outros países da Asia e ameaça até o Jogos de Tóquio.

A sombra da crise pesa nos Jogos de Tóquio

Mas tão grave que seja a crise, as lições do passado mostram que o turismo tem uma resiliência  extraordinária. Se comparar com outras crises dramáticas das ultimas décadas, podemos encontrar motivos de otimismo. O primeiro é que os mercados não levam mais que quatro a seis meses para voltar a seus níveis anteriores, a tendencia sendo mesmo de diminuição desse prazo. O segundo motivo é que pouquíssimas crises chegaram a provocaram uma queda anual do crescimento, e que, quando foi, uma forte recuperação aconteceu logo o ano seguinte. As previsões da OMT para o final dessa década, 1,8 milhão de turistas internacionais, não deveriam então ser modificadas. Para o Brasil, muito distante do foco da epidemia ,e que parece por enquanto poupado pela doença e pela mídia internacional, podemos continuar a esperar que a retomada econômica e a estabilidade monetária  levam a um novo crescimento do turismo tanto emissor que receptivo

Jean Philippe Pérol

Esse artigo foi inicialmente publicado no Blog “Points de vue do autor na revista profissional on line Mercado e Eventos

Chegou a hora do “demarketing”?

O caminho Inca que leva somente 500 pax por dia para Machu Picchu

Mais de 1,4 bilhões de turistas viajaram pelo mundo em 2018, e, segundo a Oraganização Mundial do Turismo, serão 1,8 bilhão em 2030. Um crescimento que apavora muitos destinos, seja porque não possuíam as infraestruturas necessárias, seja porque os moradores já acham viver uma situação de overturismo. Para alguns especialistas, chegou a hora do “demarketing”, esse conceito inventado em 1971 por Philip Kotler e Sidney Levy que afirmavam que as superabundâncias podem ser tão problemáticas quanto as penúrias. Esses dois pesquisadores definiram então o demarketing com uma especialidade do marketing visando a desanimar os clientes – ou alguns segmentos- de consumir temporariamente ou definitivamente um produto ou um serviço. Já muito utilizado em setores como o cigarro, o álcool, ou o jogo, a demarketing chegou ao turismo.

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As famosas letras, agora deslocadas, do painel I am-sterdam

As estratégias de de-crescimento do demarketing seguem as mesmas receitas que o marketing tradicional e os “4P” (promoção, praça, produto e preço).  Num território que não consegue mais administrar os fluxos de visitantes e cujos atrativos estão saturados, a primeira sugestão  é de reduzir ou até de parar qualquer tipo de promoção. Isso foi experimento há pouco pela Holanda cujo órgão oficial de turismo decidiu que concentraria seus esforços na gestão dos destinos e não na promoção. Só serão agora promovidas em nível internacional as regiões desconhecidas, uma decisão que vem depois de outras como a promoção exclusiva da baixa estação, a relocalização das famosas letras « I am-sterdam » e a sensibilização dos turistas aos comportamentos inconvenientes.

Source de la vidéo : YouTube

O demarketing pode também ajudar algumas praças ou alguns lugares que sofrem de overturismo e onde o meio ambiente é ameaçado. Foi assim que o famoso Vale de Jackson Hole, no Wyoming, pede aos visitantes de não indicar as coordenadas exatas das suas fotos mais atraentes e de utilizar uma localização genérica. Nas Filipinas, o sítio de Puerto Princesa, tombado pela UNESCO, retirou os lugares mais frágeis dos roteiros e dos mapas produzidos pelo Ministério do turismo.  Uma outra estratégia mais conhecida de demarketing é a imposição de cotas de visitantes, uma medida já existindo há anos nas trilhas do caminho inca em Machu Picchu, hoje utilizada por vários destinos como o Parque nacional da Península Bruce, no Ontário ( Canada). E a cobrança ou o aumento de tarifas, tradicionalmente exclusivo dos lugares privados, está hoje cada vez mais comum em áreas públicas.

Com menos entradas de turistas, a França reforça sua escolha pelo “melhor turismo”

O demarketing pode certamente ser uma opção para gerenciar os fluxos nem sempre controlados. É, porém, uma solução de desespero, e as receitas perdidas podem faltar a economia local. Antes de chegar a essa solução radical, uma boa planificação dos fluxos de visitantes pode ser suficiente para antecipar as consequências do sucesso de um destino. Foi a estratégia escolhida na França há duas décadas, quando a então Maison de la France lembrava que o “melhor turismo” deveria  prevalecer sobre o “mais turismo”. A prioridade  não era de aumentar os fluxos, mas de melhorar as receitas com visitantes gastando mais, vindo durante as baixas temporadas, visitando lugares esquecidos pelo turismo de massa e escolhendo atividades com forte valor agregado.  Hoje, em tempo de overturismo, o “melhor turismo” pode ainda ser a opção antes da difícil escolha da hora do demarketing.

Este artigo foi traduzido e adaptado de um artigo original de Anne-Julie Dubois na revista profissional on-line Reseau de veille en tourisme, Chaire de tourisme Transat 

Turismo culinário combinando tradição, criatividade e autenticidade


Segundo o último relatório da World Food Travel Association, é essencial agir para preservar e desenvolver a autenticidade culinária de um território, realçando uma gastronomia local que seja não somente o fruto da história e da herança cultural, mas também o resultado da criatividade das suas comunidades. Para que o visitante, quando saborear os pratos locais, entenda melhor o destino que escolheu visitar, é necessário investir na educação e o envolvimento dos moradores, no interesse dos jovens pela culinária regional,  e na elaboração de um plano de longo prazo associando todos os atores. Essa combinação abre novas perspectivas para que os atores do turismo aproveitem plenamente a riqueza de um patrimônio culinário autêntico, um caminho que países como o Vietnã ou o Peru seguiram recentemente.

Fonte : Youtube 

Neste outono, os irlandeses estão festejando sua gastronomia com a campanha “Taste the Island”, onde  Fáilte Ireland convida a dividir os tesouros culinários da ilha. Quem quiser participar da campanha deve assinar um compromisso destacando a prioridade para os suprimentos locais, a valorização dos produtos da região, bem como a organização de pelos menos um evento consagrado a cultura gastronômica, as comunidades e os lugares turísticos da proximidade. As entreprises participantes são convidados a uma capacitação e recebem uma “caixa de ferramentas” com conselhos personalizados para propor experiências combinando com suas atividades. Este projeto de três anos tem como objetivo de criar uma rede de embaixadores, promover a história culinária da Irlanda e atrair visitantes fora da alta temporada. 

O Centro Culinário basco em São Sebastião

A educação dos jovens é um dos caminhos mais importantes para construir uma identidade culinária. Num relatório publicado em 2019, a Organização Mundial do Turismo e o Centro culinário basco de São Sebastião recomendaram que a gastronomia esteja incluída nos cursos escolares. No Japão, terra de gastronomia, várias cidade seguem esse caminho. Taki tem uma escola profissional com um restaurante aberto ao público que serve mais de 200 refeições por dia. Nigata se autodefine como um centro de criação de cultura culinária, e trabalha com os jovens logo no primário. Seu “Agri Park” oferece atividades agrícolas e aulas focadas em alimentação e cultura biológica. E como não falar do Brasil, onde dezenas de restaurantes são administrados pelo SENAC, com os serviços dos jovens alunos elogiados até no Trip Advisor?

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Os jovens chefs rebeldes das Flandres

Na Bélgica, uma associação de 53 jovens chefs oferece duas vezes por ano uma iniciação à cozinha flamenga a jovens de 18 a 34 anos . A campanha, gerenciada pela Visit Flanders, tem a ambição de oferecer à oferecer aos jovens consumidores o acesso a pratos de alta gastronomia com preços acessíveis. Esses chefs, embaixadores dos seus destinos, são conhecidos pela assinatura « Flanders Kitchen Rebels ». Essas iniciativas, muitas vezes apoiadas em novas técnicas ou tecnologias, necessitam novas formações. LABe, um  laboratório de inovação aberta na encruzilhada da gastronomia e da transformação digital, foi criado na Espanha. Além de uma incubadora de ideias, o projeto integrou um restaurante com ingredientes fornecidos pelos produtores locais, um local de experimentação e de validação para os chefs e as start-ups.

O selo de qualidade Savor Japan

Segundo a OMT, a pesquisa, o inventario e a análises dos atores do turismo culinário são as fases-chaves para criar construir a cultura gastronômica de um destino. Um exemplo bem sucedido é o Taste the Atlantic – A Seafood Journey, lançado pelo Fáilte Ireland na rota turística  Wild Atlantic Way.  Vinte e oito restaurantes foram apresentados a 21 produtores para oferecer aos visitantes peixes, carnes, frutas ou legumes do dia vindo dos arredores. No Quebec, além dos selos de origem dos vinhos e das cidras “de gelo”, foi criada uma rede chamada Arrivage, para colocar em contato direto os restaurantes e os produtores. No Japão, um selo de qualidade garantindo a autenticidade culinária foi criado pelo governo. O Savor Japan – Explore Regional Flavors  é dado às regiões ou entidades valorizando especificamente os produtos locais.

A comida autêntica do SENAC, quinto restaurante de SLZ segundo Trip Advisor

Os moradores têm um lugar de destaque na estratégia culinária de um destino. São anfitriões, visitantes, e embaixadores que podem e devem se apropriar da história, e promovê-la. No Canadá, uma nova estratégia turística prestigia os produtores e os restaurantes locais. O turismo culinário, seja nas fazendas, na beira mar ou nas cidades, beneficia com incentivos para os investimentos, especialmente quando se trata de circuitos gastronômicos,  de experiências culinárias nativas ou de especialidades locais, de festivais alimentícios, e de mercados livres . Essas iniciativas criam o contexto favorável para que surjam autenticidades culinárias que poderão misturar tradição e criatividade antes de se espalhar nas comunidades, nos jovens e nos visitantes.

Esse artigo foi traduzido e adaptado de um artigo original de Kate Germain na revista profissional on-line Reseau de veille en tourisme, Chaire de tourisme Transat 

As trilhas, um turismo de pouco investimento e muita notoriedade


O GR 20 da Córsega, o Graal das trilhas francesas

Caminhar está na moda. Na América do Norte e na Europa, atraiu em 2018 de 15 à 30% dos turistas, levando muitos destinos a aproveitar a notoriedade das suas trilhas. Alem dos Caminhos de Santiago, o GR20 na Córsega, o Inca Trail do Peru ou o Long Trail na California  foram muito importantes para o desenvolvimento do turismo das suas regiões. Viraram atrativos e fontes de renda para municípios isolados onde  os moradores ajudam a criar experiências memoráveis. E novas trilhas estão virando destaques, como o  Grand Sentier no Canada,  o Great Ocean Walk na Australia ou os caminhos da peregrinação Shikoku no Japão. No Brasil o caminho da Mata Atlântica se prepara a percorrer 3800 quilômetros, virando ícone para cinco estados, do Parque Estadual do Desengano-RJ até o Parque Nacional dos Aparados da Serra-SC.

O caminho Inca cujas pedras levam para os misterios de Machu Pichu

Segundo um relatório de fevereiro 2019 da Organização Mundial do Turismo, as trilhas estão ganhando popularidade porque se encaixam nas novas tendencias do turismo: a procura do bem estar e dos cuidados do seu corpo, o sucesso do “slow travel” e do turismo de aventura, a vontade de intercambio com os moradores. São atividades chaves para o  turismo transformacional e ajudam a construir um ecoturismo com as menores pegadas ecológicas possíveis. O turismo de caminhada aproveita também o crescimento de novas modalidades esportivas, como a “trail running” – corrida “fora de pista”, em caminhos montanhosos com fortes declives -, ou  o “Nordic trail” – caminhada livre em qualquer tipo de terreno com o auxílio de dois bastões semelhantes aos utilizados no esqui -.

A Chapada Diamantino mostra uma grande variedade de trilhas

A OMT demostrou que as trilhas tragam muitos benefícios para os destinos que escolham de investir nessa atividade. Alem de interessar um publico muito importante e diverso – jovens, melhor idade, famílias, alta renda ou popular-, elas:

  • representam investimentos muito menor que outras modalidades esportivas,
  • exigem poucas infraestruturas pesadas ou operações logísticas complexas.
  • sendo bem administradas, são atividades eco responsáveis
  • combinam com as ofertas turísticas anteriores, ajudando a esticar as estadias e até as temporadas
  • são  muito utilizadas pelos proprios moradores para suas atividades esportivas ou seus lazeres

Os destinos bem sucedidos nesse mercado conseguiram preencher pelo menos quatro critérios imprescindíveis.

  • A atratividade: a fama das trilhas depende em primeiro lugar da beleza das suas paisagens, bem como da força dos pontos de interesso cultural que elas interligam. O máximo de manutenção e o mínimo de asfalta são também dois requisitos importantes.
  • Os serviços : a sinalização, a proximidade de instalações sanitárias, as opções de hospedagem devem responder as necessidades dos “hikers”.
  • A segurança : um policiamento eficaz, um nivel de (boa) frequentação suficiente,  uma reputação de tranquilidade junto aos moradores e ao público potencial  devem mostrar que as trilhas são perfeitamente seguras de dia e de noite, mesmo para quem viaja só.
  • O marketing e a promoção : a boa informação do público, as campanhas ou as promoções ajudam a construir a notoriedade. Os países escandinavos investiram muito na ajuda previa aos visitantes. Assim a Visit Greenlandpublica l’Ultimate Greenland Hiking Guide e  aconselha até sobre os comportamentos frente a um urso polar. Outros líderes do setor, o Peru ou a Noruega mostram nos seus sites como se preparar a enfrentar suas trilhas.

Os caminhos da fé levando para Santiago

Esse artigo foi traduzido e adaptado de um artigo original de Claudine Barry na revista profissional on-line Reseau de veille en tourisme, Chaire de tourisme Transat 

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