Perdida a 3000 quilômetros das costas brasileiras, e a 1600 da África, a pequena ilha de Santa-Helena é conforme a sua lenda, um rochedo escuro rodeado de barrancos gigantes que caiam no oceano. Para o viajante, que hoje ainda só pode chegar de navio, essa terra vulcânica, isolada na imensidão do Atlântico, guardou as características que ela tinha quando o Napoleão a vi pela primeira vez no dia 15 de outubro 1815. O desembarque não mudou há dois séculos, e os passageiros – chegando da África do Sul no único navio de linha, ou vindo num cruzeiro da MSC– ainda descem frente a Jamestown, a capital exprimida entre dois barrancos, do lado de uma praia de pedras pretas.
As ruas da cidade são mais aconchegantes, com pequenas casas coloridas e jardins exuberantes. Foi numa dessas propriedades, chamada “The Briars” que Napoleão morou nas primeiras semanas do seu exílio. Obcecados por uma possível fuga, os ingleses o transferiram pouco depois para um conjunto de casas de madeira construídas num morro de difícil acesso, Longwood House, onde o ex-imperador morou até a sua morte. Da varanda da casa principal, ainda dá para olhar o jardim e os arredores, o mar escondido entre dois rochedos, e o coreto construído pelos operários chineses. A mansão não tinha nem conforto nem privacidade, e os aposentos dos acompanhantes do Napoleão – quatro generais e uma dúzia de servidores- eram pequenos e incómodos.
Essa corte era medíocre, fofoqueira e briguenta, reforçando o sofrimento – e o tédio – do cativeiro que o governador inglês, o obtuso, indeciso, e mesquinho Hudson Lowe, tentava organizar da forma mais humilhante e desagradável possível. Foi porem nesse triste ambiente que foi escrito o “Memorial de Saint-Hélène”, as memórias que, depois da sua morte, contribuíram tanto para a extraordinária lenda de Napoleão. Enterrado sem mesmo uma placa -os ingleses não permitiram que escrevesse o seu nome- , ele foi vinte anos mais tarde levado de volta para Paris, e recebido pela maior multidão da historia da França.
Considerando o difícil acesso, muitos viajantes continuam parando em Santa Helena para visitar os três monumentos que marcaram o exílio de Napoleão, hoje pertencendo aos Monumentos Históricos da França. Longwood House foi comprada durante o reinado do sobrinho Napoleão III, bem como o vale onde fica o primeiro túmulo. A propriedade do “The Briars” foi doada para França em 1959 pela Senhora Mabel Brookes, tataraneta dos donos que receberem o imperador em 1815. Desde o ano 2000, na previsão do Bicentenário, as autoridades francesas financiaram um programa de reabilitação . Em Longwood foram recuperados todos os moveis e a decoração para reconstituir o ambiente do local exatamente como estava em 1821.
O jardim foi replantado seguindo as instruções outrora dadas pelo próprio Napoleão. O vale do túmulo foi reabilitado por soldados franceses. E, comido pelos cupins, o “The Briars” está sendo completamente reconstruído, tudo devendo ficar pronto para as festas do Bicentenario .
Começando no 15 de Outubro com a reconstituição da chegada do Napoleão , o Bicentenário tem eventos programados até 2021.
A chegada dos turistas vai ser favorecida por um dos maiores eventos da historia da ilha, a abertura dum aeroporto (código IATA: HLE), construído num vale perto de Longwood e com o primeiro vôo previsto de 2016. Acessível de avião, e com uma nova rede de celulares, Santa Helena será assim tirada do seu isolamento. E, desdenhando a memória dos seus carrascos, a lenda do Napoleão, o “prodígio filho da Glória”, continuará a dominar a ilha e a se espalhar pelo mundo.
Esse artigo foi traduzido e adaptado dum artigo original de Adrien Jaulmes no diário francês Le Figaro
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Merci! Escrevendo sobre a lenda do Napoleão, tem que tentar ser a altura do assunto!
Félicitations pour le blog! L’article sur l’île de Sainte-Hélène est grand! Un peu d’histoire aux gens.