A “baguette” entrando no patrimônio mundial, justo homenagem ou clichê redutor?

Macron chamou a baguette de magia e perfeição do quotidiano

Na cidade de Rabat (Marrocos), na sua primeira reunião presencial depois de dois anos de pandemia, o Comitê da UNESCO colocou a icônica “baguette” parisiense na lista do patrimônio culturel imaterial da humanidade.  A decisão homenageou um “savoir faire” dos padeiros franceses, destacando todas as fases da fabricação, desde os quatro ingredientes (farinha, água, sal e levedura), até a fermentação, o preparo e o cozimento varias vezes ao dia em pequenos fornos.  Uma receita de extrema simplicidade com a qual cada artesão padeiro consegue chegar a um produto único, fruto da sua técnica, dos produtos selecionados, bem como da temperatura e da humidade do seu local de trabalho.

A baguette modificou até as prateleiras das padarias 

A UNESCO lembrou o impacto da baguette na vida social. Seis bilhões são fabricadas e compradas cada ano, cem por cada Francês, com práticas de consumo diferentes dos outros pães.  A baguette tem que ser produzida e comprada cada dia, e mesmo duas vezes por dia, para guardar seu frescor. Sendo fina e comprida (uma media de 65 cm de comprimento para um diâmetro de 6 à 7 cm), ela é fácil de transportar (sendo a mão, num saquinho ou numa folha de papel), e tem variedades suficientes para cada parisiense escolher a sua: clássica, tradição, moulée, viennoise, bem passada … Algumas padarias aceitam de vender meia baguette, outras produzem a sua irmã menor (a “ficelle”) ou seu irmão maior (o “batard”).

A padaria do austríaco Zang, um dos possíveis pais da baguette

Na sua decisão, os sábios do Comitê não oficializaram nenhum das lendas urbanas sobre a origem da baguette: pão de forma oval já produzido em Paris no inicio do século XVII, evolução do “Pain Egalité” votado pelos revolucionários de 1793, criação dos padeiros de Napoleão para ser mais fácil a transportar pelos soldados que a tradicional “miche” redonda e mais pesada, lançamento inspirado do austríaco August Zang na abertura da sua padaria parisiense em 1839, ou pedido dos construtores do metrô de Paris que queria um pão que pudesse ser compartilhado sem precisar da faca também usada pelos operários para brigas mortais.

Uma da três padarias de Auzances, vilarejo da família do autor

Qual que seja a sua origem, a baguette virou um ícone de Paris a partir dos anos 20, quando os turistas internacionais – especialmente os ingleses e os estado-unidenses – se apaixonaram por esse pão sofisticado, tão diferente da “miche” pesada e grosseira que se comia no campo.  Foram eles que fizeram da baguette um símbolo da França eterna tão forte (mas tão saudosista) que Edith Piaf, a boina, o camembert e o salsichão. Se a delegação francesa no Marrocos festejou a decisão da UNESCO, os criticas em gastronomia foram mais cautelosos. Muitos acharam que a distinção deveria ter sido mais específica, somente a baguette tradição (com a levedura tradicional), com uma escolha de ingredientes mais rigorosamente codificada, merecendo ser destacada.

Os 76 pães da famosa carta de Poilane

Outros especialistas levantaram que muitos outros pães eram mais significativos da excelência das padarias francesas, tanto pelas suas qualidades gustativas que pelas suas raizes nos “terroirs” de muitas regiões onde 76 tipos de pães contribuam a riqueza cultural local, incorporando novidades trazidas pelo bio e pela procura crescente pela qualidade. Um reconhecimento de todos teria sido importante frente as ameaças que pesam sobre o setor. Nos últimos 50 anos, 20.000 padarias fecharam na França, outras viraram simples distribuidoras de pães industrializados. Na hora do bio, da qualidade e da excelência francesa, a França deve com certeza comemorar a decisão da UNESCO, mas deve também lembrar que a baguette é o fruto de técnicas, de tradições, de ingredientes, e de criatividade da padaria francesa, junto com muitos outros pães para ser comemorados.

Jean-Philippe Pérol

 

Turismo culinário combinando tradição, criatividade e autenticidade


Segundo o último relatório da World Food Travel Association, é essencial agir para preservar e desenvolver a autenticidade culinária de um território, realçando uma gastronomia local que seja não somente o fruto da história e da herança cultural, mas também o resultado da criatividade das suas comunidades. Para que o visitante, quando saborear os pratos locais, entenda melhor o destino que escolheu visitar, é necessário investir na educação e o envolvimento dos moradores, no interesse dos jovens pela culinária regional,  e na elaboração de um plano de longo prazo associando todos os atores. Essa combinação abre novas perspectivas para que os atores do turismo aproveitem plenamente a riqueza de um patrimônio culinário autêntico, um caminho que países como o Vietnã ou o Peru seguiram recentemente.

Fonte : Youtube 

Neste outono, os irlandeses estão festejando sua gastronomia com a campanha “Taste the Island”, onde  Fáilte Ireland convida a dividir os tesouros culinários da ilha. Quem quiser participar da campanha deve assinar um compromisso destacando a prioridade para os suprimentos locais, a valorização dos produtos da região, bem como a organização de pelos menos um evento consagrado a cultura gastronômica, as comunidades e os lugares turísticos da proximidade. As entreprises participantes são convidados a uma capacitação e recebem uma “caixa de ferramentas” com conselhos personalizados para propor experiências combinando com suas atividades. Este projeto de três anos tem como objetivo de criar uma rede de embaixadores, promover a história culinária da Irlanda e atrair visitantes fora da alta temporada. 

O Centro Culinário basco em São Sebastião

A educação dos jovens é um dos caminhos mais importantes para construir uma identidade culinária. Num relatório publicado em 2019, a Organização Mundial do Turismo e o Centro culinário basco de São Sebastião recomendaram que a gastronomia esteja incluída nos cursos escolares. No Japão, terra de gastronomia, várias cidade seguem esse caminho. Taki tem uma escola profissional com um restaurante aberto ao público que serve mais de 200 refeições por dia. Nigata se autodefine como um centro de criação de cultura culinária, e trabalha com os jovens logo no primário. Seu “Agri Park” oferece atividades agrícolas e aulas focadas em alimentação e cultura biológica. E como não falar do Brasil, onde dezenas de restaurantes são administrados pelo SENAC, com os serviços dos jovens alunos elogiados até no Trip Advisor?

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Os jovens chefs rebeldes das Flandres

Na Bélgica, uma associação de 53 jovens chefs oferece duas vezes por ano uma iniciação à cozinha flamenga a jovens de 18 a 34 anos . A campanha, gerenciada pela Visit Flanders, tem a ambição de oferecer à oferecer aos jovens consumidores o acesso a pratos de alta gastronomia com preços acessíveis. Esses chefs, embaixadores dos seus destinos, são conhecidos pela assinatura « Flanders Kitchen Rebels ». Essas iniciativas, muitas vezes apoiadas em novas técnicas ou tecnologias, necessitam novas formações. LABe, um  laboratório de inovação aberta na encruzilhada da gastronomia e da transformação digital, foi criado na Espanha. Além de uma incubadora de ideias, o projeto integrou um restaurante com ingredientes fornecidos pelos produtores locais, um local de experimentação e de validação para os chefs e as start-ups.

O selo de qualidade Savor Japan

Segundo a OMT, a pesquisa, o inventario e a análises dos atores do turismo culinário são as fases-chaves para criar construir a cultura gastronômica de um destino. Um exemplo bem sucedido é o Taste the Atlantic – A Seafood Journey, lançado pelo Fáilte Ireland na rota turística  Wild Atlantic Way.  Vinte e oito restaurantes foram apresentados a 21 produtores para oferecer aos visitantes peixes, carnes, frutas ou legumes do dia vindo dos arredores. No Quebec, além dos selos de origem dos vinhos e das cidras “de gelo”, foi criada uma rede chamada Arrivage, para colocar em contato direto os restaurantes e os produtores. No Japão, um selo de qualidade garantindo a autenticidade culinária foi criado pelo governo. O Savor Japan – Explore Regional Flavors  é dado às regiões ou entidades valorizando especificamente os produtos locais.

A comida autêntica do SENAC, quinto restaurante de SLZ segundo Trip Advisor

Os moradores têm um lugar de destaque na estratégia culinária de um destino. São anfitriões, visitantes, e embaixadores que podem e devem se apropriar da história, e promovê-la. No Canadá, uma nova estratégia turística prestigia os produtores e os restaurantes locais. O turismo culinário, seja nas fazendas, na beira mar ou nas cidades, beneficia com incentivos para os investimentos, especialmente quando se trata de circuitos gastronômicos,  de experiências culinárias nativas ou de especialidades locais, de festivais alimentícios, e de mercados livres . Essas iniciativas criam o contexto favorável para que surjam autenticidades culinárias que poderão misturar tradição e criatividade antes de se espalhar nas comunidades, nos jovens e nos visitantes.

Esse artigo foi traduzido e adaptado de um artigo original de Kate Germain na revista profissional on-line Reseau de veille en tourisme, Chaire de tourisme Transat