Em Djanet, a Argelia quer mostrar que o Saara tambem é cultura

O deserto do Tassili, paisagem de espiritualidade

O deserto, e mais ainda o Saara, é certamente uma das paisagens que mais fascina os viajantes. Conhecido desde a antiguidade pelos romanos, percorrido durante toda a Idade Média pelos exploradores e os missionários árabes e parcialmente integrado ao Reinado Marroquino em 1591, foi somente a partir do final do século XVIII que ele interessou os aventureiros e os científicos europeus. Saindo da Gâmbia, o escocês Mungo Park chegou em 197 até o Rio Niger, mas não conseguiu continuar. Foi o francês René Caillé, vindo da velha colônia de Saint Louis do Senegal, que entrou na cidade mítica e proibida de Tombuctu, para seguir atravessando o Saara até a costa marroquina.

Perto de Marrakech, a mais famosa placa de transito do Saara

René Caillé ficou decepcionado com a sua viagem: não tinha em Tombuctu os telhados de ouro e as ruas de paralelepípedos de pedras preciosas descritos nas legendas, mas a fama de cidade se espalhou pela Europa e o mito perdurou. Hoje o turismo no Sahara tem dois principais pontos de entrada: no Marrocos e na Tunísia. Perto de Marrakech, a cidade de Zagora se orgulha de dar aos turistas um primeiro cheiro de deserto, e quem visitou a famosa oasis se lembra de ter sonhado frente a famosa placa de trânsito: Tombuctu, 52 dias de camelo. No Sul da Tunisia, Tozeur reivindica também a condição de portão de entrada do deserto, um título sem dúvidas justificado pela beleza das suas paisagens, a sua cultura tamazigh, a imensidão salgada do lago Chott el Jerid e a imponência do seu palmeiral.

A reabertura dos voos deve beneficiar turistas e moradores

Dona da maior parte do Saara, abrigando alguns dos mais famosos pontos de interesse da região – de Ghardaia à Tamanrasset ou à Djanet-, a Argélia quer agora aproveitar do crescimento da procura dos viajantes para os grandes desertos. Deu um passo importante no mês retrasado não somente abrindo um voo direto de Paris para Djanet, mas ainda liberando os turistas deste voo da exigência do visto prévio se tiver serviços reservados com agências locais. Ainda longe de competir com seus vizinhos da África do Norte, ainda sem muitas opções de turismo balneário no seus 1200 km de litoral, o ministério argelino quer aproveitar o potencial e da notoriedade do seu imenso deserto.

As pinturas rupestres são uma grande atracão do Tassilí

A nova estratégia da Argélia é de fazer de Djanet, e do Parque Nacional Cultural do Tassili um dos motores da retomada turística do pais. O parque, além da beleza das suas paisagens de pedras e de areias coloridas, das suas oasis de intensa vegetação e da sua rica fauna,  é um verdadeiro museu a céu aberto, com milhares de pinturas e gravuras rupestres. Essas pinturas dão testemunho de 10.000 anos atrás, quando a região ainda tinha uma rica vegetação e os povos caçadores aproveitavam girafas, elefantes, antílopes, leões, búfalos e cavalos  antes das mudanças climáticas que transformaram o Saara no atual deserto.

O chá no deserto é sempre uma grande experiência

Os viajantes são também fascinados pela peculiar cultura dos moradores que pertencem a grande etnia  Tuareg. Na contrapé do islã rigorista, os homens tem a cara coberta com o “cheche”, um turbante de 8 metros de comprimento e as mulheres não têm véus, e andam de roupas coloridas. Falando a sua própria língua, da família do tamazigh, com uma escritura geométrica original ( o Tifinagh), eles guardam fortes tradições culturais nos vários países onde são espalhados. Os visitantes se encantam pela convivialidade do seu culinário, a emoção da sua cerimônia do chá, a força do seu artesanato, ou a surpreendente alegria das suas danças. Na nova corrida ao turismo de deserto onde muitos destinos estão agora competindo – do Marrocos a Arabia Saudita, da Tunisia ao Omã e aos Emirados-, a Argélia pode também chegar a uma posição de destaque.

Jean-Philippe Pérol

Os inseparáveis camelos vêm até cumprimentar os convidados

 

Saudade de viajar para onde?

O Mont Saint Michel, entre a Bretanha e a Normandia, patrimônio e fé no monumento preferido dos franceses

Depois de um ano de confinamento, os viajantes estão cada vez mais impacientes para ver a retomada do turismo. Com a abertura progressiva dos grandes (e dos pequenos) destinos, a vacinação em massa dos adultos, e a volta das linhas aéreas internacionais, as últimas pesquisas mostram que os brasileiros querem mesmo não somente voltar a viajar, mas também viajar de forma diferente. Querem mais segurança, mais exclusividade, mais bem estar, mais sustentabilidade e mais experiências transformacionais, esses novos critérios que vão definir os destinos que aproveitarão a retomada.

Quem não tem saudade do borbulho de Nova Iorque

Mas a saudade de viajar é antes de tudo muito pessoal, a escolha da primeira viagem pós confinamento vai assim depender das experiências e dos desejos de cada um: paisagens, cidades, e monumentos se mesclam com paixões e emoções para fazer uma lista onde terá que combinar sonhos e realidades. Assim a minha lista começa com cidades. Saudades da beleza de Paris que mexe com almas e corações, saudades do borbulho estressante de Nova Iorque, saudades da imponente e até arrogante tranquilidade de Bordeaux, da agitação descompromissada de Miami ou da carinhosa vibração de Montreal.

O Puy de Dôme, guardião das terras da Auvergne

Tenho também saudades das paisagens que ficaram impressos na minha memória. A imponência do Puy de Dôme que guarda a minha terra, a força das cataratas de Iguaçu que carrega a história das missões, a pureza infinita das dunas do Sahara em Zagora, Djanet ou Tozeur, bem como a pura beleza do Monte Otemanu e da lagoa de Bora Bora. Mais ainda, sinto saudade das matas e dos rios da Amazônia, da misteriosa neblina cobrindo a floresta de manhã cedo nas beiras do Rio Negro, ou do incomparável por do sol na baía do Rio Tapajós.

Em Teotihuacan, a pirámide da Lua vista da pirámide do Sol

Minhas saudades e emoções de viagem são ligados a lugares e monumentos especiais. Queria pular mais uma vez em cima da pirâmide do sol em Teotihuacan, sentar no Patio dos Leões do Palácio da Alhambra, chorar frente a resiliência de Santa Sofia, olhar as tragédias do Mar Morte desde a fortaleza de Massadá, e subir o Mont Saint Michel olhando o ouro do arcanjo. Preciso reviver o caminho do Inca e o espantoso nascer do sol clareando a magia de Machu Pichu, olhar para o oceano infinito além dos Moais da Ilha de Páscoa, escutar a chamada do muezin na Mesquita dos Omíadas, atravessar a praça São Marcos homenageando a glória cínica da Serenissima, ou  responder ao sorriso do anjo risonho na hora de entrar na Catedral de Reims.

Perto de Djanet, as emoções e a pureza do deserto

Viajar é preciso mesmo, e estamos hoje com saudade até das viagens que não fizemos e que já constam da lista das nossas descobertas pós Covid. Percorrer a Sicília nas pegadas dos gregos, dos romanos, dos árabes e dos normandos, ver Agrigento e os vinhedos de Nero d’Avola . Se emocionar em São Miguel das Missões sobre a epopéia dos jesuítas e a destruição do sonho guarani. Ser um dos primeiros a visitar o extraordinário acervo turístico de Al Ula, na rota que levava de Jerusalém à Meca, beber um Rioja nas espetaculares adegas desenhadas por Calatrava. Tentar entender na Bretanha, de Saint Malo até o pitoresco litoral da costa de granito cor de rosa, o por que da peculiaridade dessa região da França.

Santa Sofia, 1500 anos de afirmação da fé ortodoxa

Temos saudades desses lugares e de muitos outros, inclusive de alguns que ainda não conhecemos.  Saudade de viajar, saudade de novas emoções e de novos encontros. Na hora da retomada do turismo, relembrando os destinos marcantes e sonhando de novas experiências, poderemos assim relembrar essa frase do de Gaulle “Partir, c est vivre”.  Viajar é viver, vamos agora escolher para onde.

Jean-Philippe Pérol

No Rio Tapajós, a exclusividade de roteiros juntando ecoturismo e intercâmbio com as comunidades

 

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