Do Atacama até Al Ula, a nova onda do eterno fascínio pelo deserto

O Vale da Morte no Nevada inspirou muitos filmes de Hollywood

Com o medo do overturismo e o desejo crescente de exclusividade, cresce a vontade de descobrir novos destinos, longe dos lugares tradicionais dos Estados Unidos, do Portugal, da Itália ou da França, onde tantos viajantes gostam de  ser vistos. A post pandemia tem novas regras do jogo, o medo das multidões  afugenta os turistas, procura-se pureza e autenticidade, cresce a exigência de viagens transformadores, e a Instagram permite de intercambiar com o mundo nos lugares mais isolados. A natureza preservada é uma das grandes temáticas que completa este novo quadro, seja nos safaris africanos, nas montanhas do sub-continente indiano, nas geleiras dos dois polos, nas florestas e nos rios da Amazônia, e, mais ainda, nos desertos dos cinco continentes.

Os barrancos do Wadi Rum no filme Lawrence da Arabia

O deserto têm um apelo especial que sempre fascinou os viajantes e antes deles os profetas e os exploradores. Foi no seu silencio e na sua imensidões que nasceram ou cresceram as religiões monoteístas, e que Abraão, Moises, Joao Batista, Jesus Cristo e Maomé acharam suas inspirações. Frente a sua beleza depurada e atemporal, esta dimensão spiritual ou até mística continua sendo uma das razões do seu atrativo. O cinema contribui a combinar deserto com sonho e aventura, de Lawrence da Arábia até Mad Max ou de Sergio Leone até Indiana Jones, cada um ajudando a promover a notoriedade de destinos nos cinco continentes, o Sahara, o Nefud, o Wadi Rum, a Norob National Park, o deserto de Tabernas ou o Vale da Morte.

O Rallye Aicha des Gazelles tenta combinar esporte, ecologia, feminismo e luxo

Os desertos estão se destacando como novos destinos turísticos, juntando aventura, cultura, luxo e sobriedade, apostando na beleza e na sustentabilidade. Mesmo se são por natureza imunes aos estragos do overturismo, a fragilidade dos seus ecosistemas deve porem levar a muita cautela. Os excessos passados do Paris Dakar ou os exageros do Burning Man Festival tiveram que se adaptar as novas exigências dos moradores e dos viajantes, e o Rallye Aicha des Gazelles do Marrocos foi a primeira corrida do gênero a obter o Iso 14001 da sustentabilidade. As preocupações sobre o uso dos Quads e dos Quatro rodas levaram as operadoras locais a restringir, regular ou pelo menos compensar os seus impactos sobre o meio ambiente.

Em Djanet, pedras esculpidas pelo vento chamam as oferendas do viajante

O sucesso dos desertos chegou também porque as ofertas das operadoras estão cada vez mais diversificadas. Aos tradicionais cartões postais – já muito conhecidos pelos turistas- de Zagora no Marrocos, de Ghardaia ou Djanet na Algeria, de Tozeur na Tunisia, do Atacama no Chile ou de Petra na Jordania, elas acrescentaram lugares mais exclusivos, as Wahiba sands do Omã, a costa do Namib na Namibia, o Salar de Uyuni na Bolivia, o Lago Assal na Etiópia, o Gobi na Mongólia e as dunas de Thar na India. E a Arábia Saudita, investindo de forma espetacular nas riquezas arqueológicas e nas infraestruturas turísticas da região de Al Ula, está agora inaugurando o mais luxuoso dos destinos de desertos do mundo.

En Al Ula, o luxo, a cultura e a exclusividade do deserto

Se conseguir combinar abertura ao turismo e preservação dos seus ecosistemas naturais e humanos, os desertos (e todas as áreas de natureza preservada do Brasil e do mundo) devem continuam a crescer como destinos turísticos modelos, exclusivos pela raridade das infraestruturas, pelas dificuldades de acesso, pelos espaços de vida limitados, e pelos preços elevados que operadores e moradores devem cobrar para viabilizar essas experiências únicas e frágeis.

Jean Philippe Pérol

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Esse artigo foi inspirado de um artigo original de publicado na revista profissional Tourmag

Em Al Ula, os moradores acompanham um novo destino de luxo, arte e cultura

 

A sala de concerto, ícono arquitetural de Al Ula

Outrora cidade proibida – os seus habitantes teriam sido malditos por duvidar das palavras do profeta-, capital de uma região distante com uma economia tradicional baseada no cultivo de támaras ou de cítricos e  na criação de camelos, Al Ula parecia a bela adormecido da Arabia Saudita . Suas riquezas arqueológicas de Madain Saleh e de Hegra, heranças milenárias dos nabateanos, já eram conhecidas e tombadas pela UNESCO desde 2008,  mas atraiam somente alguns poucos turistas vindo de Riade ou Jeddah, sem impacto significante sobre a vida quotidiana e as perspectivas profissionais dos 65.000 moradores.

Turistas num restaurante de Al Ula

Tudo mudou a partir de abril 2016, quando o principe herdeiro Mohamed Ben Salman lançou o projeto Visão 2030, que dava a Arabia Saudita nova perspectivas de desenvolvimento, fazendo do turismo e dos lazeres uma prioridade para sair de uma economia exclusivamente ligada ao petróleo. Com um impressionante orçamento de US$ 35 bilhões, foi criada a Comissão real de Al Ula, com a missão de transformar a região em destino turístico de alto luxo focado em arte, cultura e esporte. O projeto deveria ser integrado no ecosistemo local e respeitar a sustentabilidade, com o objetivo de receber em 2030 um milhão de turistas de alto poder aquisitivo sem cair no overturismo.

Shahad Bedair, uma das primeiras mulheres sauditas  guia de turismo

A grande ambição do projeto é a criação de empregos e de oportunidade para a população local. São previstas 38.000 vagas, e já são milhares de moradores que foram contratados não somente como vendedores, recepcionistas, guias de turismo, motoristas, mas também como gerentes ou executivos – a própria Comissão já conta com dois terços de funcionários locais. Para poder atender a procura de pessoal especializado, milhares de bolsas e de estágios de formação foram realizados. Foram cursos de línguas, formações especializadas em hotelaria, arqueologia, agricultura ou gestão sustentável na Europa ou nos Estados Unidos. E para gerenciar o Parque, vários rangers foram mandados estudar dezoito meses na Tanzania.

Os agricultores aproveitam também o projeto

Mesmo se o projeto ainda têm muitas realizações pela frente – foram abertas 1000 dos 4000 quartos de hotéis previstos até 2030-, a vida dos moradores já mudou. Com o turismo, mais oportunidades profissionais, especialmente para jovens diplomados e para mulheres, mais encontros com visitantes, sauditas ou internacionais, mais opções de lazer com festivais culturais, exposições de arte ou competições esportivas, estão trazendo uma abertura excepcional que crescerá com o sucesso.  Empresários locais estão construindo novos bairros de casas e apartamentos  nas áreas sul da cidade, e na área norte, no vilarejo de Dadan, vai ser aberto um centro de ensino e pesquisa arqueológico. O impacto do projeto em Al Ula vai assim muito alem do turismo, trazendo aos moradores renda, qualidade de vida e abertura para o mundo.

O turismo está mudando a vida na antiga cidade

Saudade de viajar para onde?

O Mont Saint Michel, entre a Bretanha e a Normandia, patrimônio e fé no monumento preferido dos franceses

Depois de um ano de confinamento, os viajantes estão cada vez mais impacientes para ver a retomada do turismo. Com a abertura progressiva dos grandes (e dos pequenos) destinos, a vacinação em massa dos adultos, e a volta das linhas aéreas internacionais, as últimas pesquisas mostram que os brasileiros querem mesmo não somente voltar a viajar, mas também viajar de forma diferente. Querem mais segurança, mais exclusividade, mais bem estar, mais sustentabilidade e mais experiências transformacionais, esses novos critérios que vão definir os destinos que aproveitarão a retomada.

Quem não tem saudade do borbulho de Nova Iorque

Mas a saudade de viajar é antes de tudo muito pessoal, a escolha da primeira viagem pós confinamento vai assim depender das experiências e dos desejos de cada um: paisagens, cidades, e monumentos se mesclam com paixões e emoções para fazer uma lista onde terá que combinar sonhos e realidades. Assim a minha lista começa com cidades. Saudades da beleza de Paris que mexe com almas e corações, saudades do borbulho estressante de Nova Iorque, saudades da imponente e até arrogante tranquilidade de Bordeaux, da agitação descompromissada de Miami ou da carinhosa vibração de Montreal.

O Puy de Dôme, guardião das terras da Auvergne

Tenho também saudades das paisagens que ficaram impressos na minha memória. A imponência do Puy de Dôme que guarda a minha terra, a força das cataratas de Iguaçu que carrega a história das missões, a pureza infinita das dunas do Sahara em Zagora, Djanet ou Tozeur, bem como a pura beleza do Monte Otemanu e da lagoa de Bora Bora. Mais ainda, sinto saudade das matas e dos rios da Amazônia, da misteriosa neblina cobrindo a floresta de manhã cedo nas beiras do Rio Negro, ou do incomparável por do sol na baía do Rio Tapajós.

Em Teotihuacan, a pirámide da Lua vista da pirámide do Sol

Minhas saudades e emoções de viagem são ligados a lugares e monumentos especiais. Queria pular mais uma vez em cima da pirâmide do sol em Teotihuacan, sentar no Patio dos Leões do Palácio da Alhambra, chorar frente a resiliência de Santa Sofia, olhar as tragédias do Mar Morte desde a fortaleza de Massadá, e subir o Mont Saint Michel olhando o ouro do arcanjo. Preciso reviver o caminho do Inca e o espantoso nascer do sol clareando a magia de Machu Pichu, olhar para o oceano infinito além dos Moais da Ilha de Páscoa, escutar a chamada do muezin na Mesquita dos Omíadas, atravessar a praça São Marcos homenageando a glória cínica da Serenissima, ou  responder ao sorriso do anjo risonho na hora de entrar na Catedral de Reims.

Perto de Djanet, as emoções e a pureza do deserto

Viajar é preciso mesmo, e estamos hoje com saudade até das viagens que não fizemos e que já constam da lista das nossas descobertas pós Covid. Percorrer a Sicília nas pegadas dos gregos, dos romanos, dos árabes e dos normandos, ver Agrigento e os vinhedos de Nero d’Avola . Se emocionar em São Miguel das Missões sobre a epopéia dos jesuítas e a destruição do sonho guarani. Ser um dos primeiros a visitar o extraordinário acervo turístico de Al Ula, na rota que levava de Jerusalém à Meca, beber um Rioja nas espetaculares adegas desenhadas por Calatrava. Tentar entender na Bretanha, de Saint Malo até o pitoresco litoral da costa de granito cor de rosa, o por que da peculiaridade dessa região da França.

Santa Sofia, 1500 anos de afirmação da fé ortodoxa

Temos saudades desses lugares e de muitos outros, inclusive de alguns que ainda não conhecemos.  Saudade de viajar, saudade de novas emoções e de novos encontros. Na hora da retomada do turismo, relembrando os destinos marcantes e sonhando de novas experiências, poderemos assim relembrar essa frase do de Gaulle “Partir, c est vivre”.  Viajar é viver, vamos agora escolher para onde.

Jean-Philippe Pérol

No Rio Tapajós, a exclusividade de roteiros juntando ecoturismo e intercâmbio com as comunidades

 

Arábia Saudita nos grandes destinos turísticos mundiais de 2030?

Madain Saleh, a Petra do sul onde nasceu a escritura árabe

O acordo assinado o mês passado pelo Diretor Geral de Cruise Saudi, e o Presidente de MSC, vai dar um impulso espetacular aos cruzeiros nessa região, dando ao MSC Magnifica a possibilidade de zarpar de Jeddah, segundo porto do Oriente Médio, cidade histórica tombada pela UNESCO e ponto tradicional de entrada dos peregrinos para Meca. Um segundo navio, o MSC Virtuosa, operando no Golfo Pérsico, vai enriquecer os seus itinerários com escalas em Damman, porto dando acesso ao oasis de Al Ahsa, um outro sítio inscrito no patrimônio mundial da UNESCO. Para a temporada 2021/2022, as duas empresas esperam receber até 170.000 novos turistas.

Nos arredores do porto de Al Wajh, o Mar Vermelho ainda virgem de turistas

Os roteiros do MSC Magnifica terão como ponto alto a visita do oasis de Al Ula, também tombada pela UNESCO. A vinte quilômetros do vilarejo, os surpreendentes atrativos da região são os 138 túmulos de Maidin Saleh, segunda capital dos Nabateus, as vezes chamada de “Petra do sul”, antiga capital troglodita de um reinado citado na Bíblia, etapa da “rota do incenso” que ligava a Palestina com o Hejaz. O acesso é possível pelo porto de Al Wajh, famoso pelo seu centro historico e seu litoral, onde os turistas levados pela MSC poderão desembarcar para descobrir esse impressionante e ainda desconhecido acervo da humanidade.

O projeto de hotel de Jean Nouvel em Sharaan

Toda região de Al Ula é o centro de um grande projeto de parque natural, arqueológico e turístico. Com o apoio da França, a Arábia Saudita está investindo na renovação desse conjunto excepcional, incluindo infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias  e hoteleiras. O projeto integrou uma extraordinário hotel troglodita desenhado pelo arquiteto francês Jean Nouvel. Totalmente integrado nas paisagens, com 40 quartos e três vilas esculpidas nos morros, varandas escondidas, e um imenso pátio central, deve abrir em 2024 e virar um dos símbolos do sucesso das ambições turísticas sauditas.

A Kaaba e o complexo hoteleiro de Meca com seu “Big Ben” gigante

A Arabia Saudita já é o vigésimo quinto destino turístico mundial, e recebeu em 2019 20 milhões de turistas internacionais – três vezes mais que o Brasil-, um pouco mais da metade sendo peregrinos indo para Meca.  Pouco conhecido fora do mundo muçulmano, esse turismo religioso foi também profundamente transformado nos últimos anos. Com grandes hotéis de luxo com vista direta sobre a Kaaba, o complexo de Abraj Al Bait revolucionou as infraestruturas locais e as receitas turísticas da cidade santa que chegam hoje a USD 4100 por pessoa. Segundo as autoridades locais, essa evolução vai seguir com o crescimento do número de peregrinos, projetado em 30 milhões para 2030.

O projeto Coral Bloom, luxo, meio ambiente e novas tendências

As ambições do turismo saudita abrangem também o turismo balneário, com a abertura de 50 resorts em 22 ilhas e 6 pontos do litoral, incluindo campos de golfe, marinas, e centros de lazer. O projeto mais espetacular, Coral Bloom, inclui 11 hotéis de alto luxo  concebido pelo estúdio Foster & Partners que está sendo desenhado para valorizar o extraordinário meio ambiente da ilha de Shurayrah. Sem prédios, construídos com materiais leves, com design incorporando as últimas tendencias do turismo pós covid, os estabelecimentos vão oferecer uma experiência inovadora de luxo responsável e  ecológico. Com aberturas programadas a partir de 2022, serão uma etapa chave para colocar a Arábia Saudita nos grandes destinos turísticos mundiais em 2030.

Jean-Philippe Pérol