“Année terrible”, assim que a chamava o Victor Hugo, 1870 foi na França o ano da primeira grande e humilhante derrota frente a Alemanha, seguida do inicio da atroz guerra cicil que arrasou Paris na primavera 1871. Pouco conhecidos dos próprios parisienses, e menos ainda dos visitantes, a Guerra de 70 e a “Commune de Paris” são as temáticas de uma exposição no Museu do Exército, nos Invalides. Até o dia 31 de julho essa exposição vai apresentar fotografias e peças referentes a esses conflitos, dando os quadros históricos e os pontos de vista dos dois países: para a Alemanha o longo processo de unificação de 1813 até a proclamação final de 1871 na Galeria dos Espelhos em Versalhes, para a França o ciclo das revoluções patrióticas e sociais, da tomada da Bastilha em 1789 até o triunfo da Republica em 1879.
A exposição lembra os numerosos lugares de Paris e da sua região cuja historia é ligada com os dramas de 1870. As vezes chamado hoje de Manhattan parisiense, o bairro de la Défense deve seu nome a defesa heróica dos seus habitantes contra as tropas alemães, e a uma estátua comemorativa que foi erguida em 1880. Retirada em 1965 durante a construção do novo bairro de negócios, ele faz hoje parte do conjunto da Fonte de Agam, na Esplanada da Defense. Do outro lado de Paris, a resistência aos invasores é também lembrada na Praça Denfert Rochereau com a replica do Leão de Belfort, estátua gigante do Auguste Bartholdi (o escultor da estátua da Liberdade), que comemora o invicto defensor da cidade da Alsácia.

O Palacio dos Tuileries, destruido durante a Commune
A guerra civil, a semana sangrenta e os massacres dos revolucionários são também lembrados em vários cantos da capital. Andando nos jardins dos “Tuileries”, os visitantes podem imaginar o Palácio que ligava as duas asas do Louvre, que foi incendiado pelos parisienses e que o vitorioso “governo de Versalhes” propositalmente não quis reconstruir para que sejam lembradas as violências dos combates. Outros incêndios serão lembrados passando pela Prefeitura ou o Palácio de Justiça, outros massacres no Pantheon. E andando pelo cemitério do Pere Lachaise, onde muitos brasileiros visitam o túmulo do Allan Kardec, o visitante pode parar no famoso “Mur des fédérés” onde foram executados os últimos 147 revoltosos.
A exposição não podia esquecer o Sacré Coeur de Montmartre, cuja construção foi decidida em 1871 como uma promessa do comerciante Alexandre Legentil, que queria que a França pedisse perdão dos pecados dos republicanos responsáveis, segundo ele, da derrota e da guerra civil. Com o apoio da igreja e da maioria ultra conservadora de Congresso, foi decidida a construção de uma basílica no mesmo lugar onde tinha começada a revolução parisiense, na época uma praça repleta de barracas de feirantes, e de bares populares. O Sacré Coeur de Montmartre foi logo um sucesso popular. Dez milhões de fieis fizeram doações para sua construção, e hoje a basílica é o segundo monumento religioso mais visitado da França com 11 milhões de entradas.

A barricada da Place Vendôme, foto do acervo doado pelo Dom Pedro II
Outros lugares de Paris ainda lembram essa época, inclusive a Place Vendôme então cercada de barricadas e onde a famosa coluna foi derrubada pelos revolucionários. Mas mesmo polêmico, gerando brigas entre liberais e patriotas ou entre socialistas e conservadores, mesmo se esse ano a Prefeita de Paris ainda recebeu um pedido de demolição da basílica, o Sacré Coeur ficou como a mais visível e a mais famosa memória dessas duas grandes feridas francesas que foram a Guerra de 1870 e a Commune de Paris. E, para o consenso, é possível caminhar pela Rua do 4-Septembre, que lembra a proclamação da República, essa herança de todos.
Jean-Philippe Pérol

A paz e a harmonia dos Jardins dos Tuileries
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